Finalmente chega
o carnaval, que modifica a rotina das pessoas com suas cores, brilhos e
batuques numa explosão de alegria oferecendo a todos a oportunidade de serem
alguém diferente: marinheiro, político, rei, pirata ou palhaço. Fatos que
espera-se não acontecer neste ano.
Fico a pensar como será difícil perderem a oportunidade de esquecer suas tristezas e adiar problemas, pois o carnaval para muitos é como um sonho que anula as dificuldades e prorroga infortúnios, um festival de máscaras e fantasias, quando ao longo da avenida, o
Mickey abraça os Irmãos Metralhas, enquanto o Lobo Mau em pele de cordeiro, puxa o cordão dos Três Porquinhos. E sem essa festa radiosa acontecer, só resta a meditar sobre a vida que nos cerca, na expectativa de encontrarmos forças e habilidades para descobrir o que está por detrás das máscaras usadas por nossos semelhantes. Se no carnaval elas caem depois de um ou dois goles de cerveja, no cotidiano, para tal distinção se deve fazer valer de um permanente exercício de percepção e sensibilidade.Quando a
pandemia tomou conta do planeta em março de 2020, fomos levados ao isolamento.
O medo aportou em nossas vidas, e sorrisos foram apagados por pedaços de
tecidos, colocados sobre boca e nariz, que passaram a ser o instrumento de
defesa de todos, junto com rígidas medidas de higiene.
Passamos
a viver escondidos, mascarados, como os fora da lei que fazem uso desse
artifício para cometer atos ilícitos, ou as muçulmanas mais fervorosas que
mantém suas expressões de alegria e tristeza aprisionadas por detrás do véu. O
avanço da pandemia que sacramentou o uso dos protetores faciais, também
literalmente influenciou para que a simbólica máscara de muitos, viessem a
cair.
Se por um lado
tal artefato passou ser elemento de solidariedade protegendo o usuário e seu
próximo, com o passar dos meses vimos várias personalidades deixarem suas
máscaras desmoronarem, mostrando o seu verdadeiro eu: egoísmo, indiferença,
ignorância, ganância. Em contraposição deparamos também, vindo de quem menos esperávamos
com atitudes de solidariedade, gentileza e atenção. Mas a vida é assim,
relembrei quando outro dia lendo sobre as ruínas do Templo do Oráculo de Delfos
na Grécia, encontrei duas inscrições que nunca esqueci: “Conhece-te a ti mesmo”
e “Nada em excesso”. Alguns milênios depois, tais recomendações são
incrivelmente atuais. Na vida tribal que nos foi imposta, temos a oportunidade
única para praticar ambas e enxergar que na vida real, o carnaval não se limita
aos quatro dias de folia.
Quando menos esperamos nos topamos com o nosso “carnaval pessoal”, quando usamos máscaras para atuar no cotidiano, e o pior ainda, termos que enfrentar o “carnaval alheio” que tem na ganância, traição e hipocrisia seus mestres salas e portas bandeiras. É impossível, mas que bom seria que as máscaras caíssem de uma vez e assim nos mostraríamos quem somos na real? Só teríamos a ganhar, pois possuiríamos uma única identidade e ninguém poderia alegar nada de nós.
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