Buscar falar o que gostaria de falar, quem me ouve |
Meio dia e meia chego na redação da Rádio Difusora (RD) e logo sou servido de
café por minha solícita colega de trabalho, a Joana. Enquanto degusto o café
quente, ligo o computador e abro os principais sites de notícias. As manchetes,
dos mais variados tipos, cores e tamanhos, destacam questões políticas,
esportes, polícia, religião e de entretenimento. Volto a pegar a xícara e tomo
alguns goles, analisando as principais notícias, que, de acordo com minha
equipe editorial, são as que mais merecem atenção: A transferência milionária
do jogador de futebol, o beijo de língua da personagem da novela, a volta do
menino alquimista desaparecido no Acre. Minhas sobrancelhas cerram e eu queimo
a língua numa reação involuntária, já que não me empolguei nada com tais fatos,
apesar desses fatos serem fundamentais para o bom andamento do meu programa de
rádio, o Impacto 640. Se todo mundo está dizendo que isso é importante, então
deve ser mesmo. Nitidamente, o problema deve ser eu. É curioso o fato de que
existam indústrias complexas de informação e divulgação de conhecimento,
definindo os níveis de relevância de questões relativas à vida cotidiana.
Enquanto estamos caminhando, tomando um ônibus ou dormindo, outras pessoas
estão trabalhando, produzindo e inspirando reflexões sobre amor, comida,
decoração e família. Tudo aquilo que não consegue sequer um breve comentário
num programa de rádio. E isso caracteriza uma sociedade secreta, composta por
todo mundo, que como eu, gostaria de ouvir outras coisas. Coisas que talvez
tenham mais importância, que talvez a gente devesse priorizar. Há cerca de 13,5
bilhões de anos, a física era tudo o que importava. A matéria, a energia, o
tempo e o espaço eram os elementos que definiam o que era importante, e o
desenvolvimento da humanidade foi sendo capaz de relativizar o que todos
aprendemos, quando pequenos, na escola: A química, a biologia, a filosofia, a
revolução cognitiva, agrícola, científica. Nos dias de hoje, temos muitos
motivos para refletir sobre liberdade, as relações humanas, a solidariedade e a
gentileza; só assim será possível modificar nossas próprias atitudes,
aperfeiçoando as formas de ver o mundo na prática. E isso é viver! Qualquer
pessoa apostaria, facilmente, que os homens das cavernas, se tivessem tais
oportunidades, não perderiam seu tempo lendo sobre o lançamento da nona versão
do smartphone da empresa bilionária. Aproveitariam sua vida, pasmem: vivendo. Tomo
o último gole de café e fecho os sites de notícias. Decido ir na janela do
segundo andar do prédio da RD e fico observando as árvores, as flores e os
pássaros no Jardim do Ó. Não consigo me concentrar. Observo pessoas falando
alto e discutindo temas variados. Temas seus. Desisto de falar das notícias
decididas pelos meus editores e num ato de rebeldia decido falar de temas meus,
que julgo pertencerem ao interesse dos meus ouvintes. Como sempre, o urgente
não deixa tempo para o mais importante.
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