Hoje é um dia referencial
para os cristãos de todo o mundo: a Sexta-Feira Santa, data da rememoração do
martírio de Cristo. Os não cristãos e os não religiosos veem nela um ato
reverencial a um inocente executado barbaramente por conta da prepotência do
poder político e da intolerância religiosa. O acento no sofrimento (dolorismo)
constitui uma marca do catolicismo ocidental. Os católicos orientais (em
comunhão com a Igreja Romana), os ortodoxos e os reformados (protestantes)
preferem enfatizar o Cristo ressuscitado, evocado pela Páscoa cristã. A Semana
Santa, no catolicismo popular brasileiro, incorporou traços culturais ibéricos
(Portugal e Espanha), com grande acento no sentimentalismo religioso e nas
expressões de tristeza. Até a década de 60, a Sexta-Feira Santa era impregnada
pelo apelo generalizado à ascese (jejum rigoroso, abstinência de carne,
contenção de qualquer prazer físico e comedimento na fala e nos gestos). Com a
secularização da sociedade brasileira, a data restou mais como um ensejo para
um feriado prolongado, sem que deixe de ser, talvez, a que mais toca a veia
religiosa dos brasileiros. Ainda assim, os números colhidos nos últimos anos
não a diferenciam muito de outros feriados, em termos de índices de violência.
Até na Terra Santa, onde a tragédia narrada pelos evangelhos aconteceu, a morte
violenta, a opressão, o ódio e a intolerância continuam prevalecentes,
contrariando a mensagem de compreensão e tolerância que levou seu autor a uma
morte tão execrável. O desfecho poderia ser lido como a história de um grande
fracasso, mas seria uma leitura muito parcial. As palavras daquele mártir
obscuro (despercebido pelos historiadores e filósofos da época) tiveram um
poder transformador impressionante na moldagem de um novo mundo não mais regido
pelos valores fundamentais da Antiguidade pré-cristã. Elas ainda ecoam com
força, alimentando a sede espiritual da humanidade e influenciando na sua
evolução moral, política, social e cultural. Neste ano, a Semana Santa
transcorre num momento muito especial para a Igreja Católica Romana, em que
esta, por meio de seu novo papa, tenta reencontrar os caminhos da simplicidade
e do despojamento do Cristo dos evangelhos.
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