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29 de maio de 2023

AS PALAVRAS NOS FAZEM DIVAGAR NA GRAMÁTICA

Não há como confundir Fraterno em Eunápolis, com algo benéfico. Fraterno em Eunápolis é sinônimo de mazelas e corrupção!

       Um dos assuntos da gramática de que mais gosto são as figuras de linguagem. Sua definição pode ser considerada da seguinte forma: recurso gramatical de que dispomos para embelezar, destacar, emocionar ou particularizar um texto. Figuras são o modo de dizer, alguns dos quais alteram a forma regular das palavras ou das orações, e noutras modificam ou omitem o sentido próprio da expressão. Assunto essencial à magia da comunicação, ele dá ao texto um “colorido” do qual escritores se valem sempre.

Das inúmeras figuras de linguagem disponíveis nas páginas gramaticais, gosto bastante da mistura de sensações perceptíveis por órgãos diferentes do sentido; há uma transferência metafórica de percepções da esfera de um sentido (auditivo, visual, tátil, olfativo e gustativo) para a de um outro, do que resulta uma fusão de impressões sensoriais de grande poder sugestivo. Exemplo do grande Monteiro Lobato: “E longe, na porteira, ainda espalmava a mão para a fazenda, num gesto mudo (...)”. Observa-se no exemplo lobatiano o uso da figura na fusão sensorial das palavras “gesto” (aspecto visual) e “mudo” (auditivo).

Guimarães Rosa nos dá outra lição clássica: “O jasmim-verde e o jasmim-azul abrigavam tudo com seu perfume – que dava para adoçar uma xícara de café”. Estão juntas, num efeito incrível, as palavras “perfume” (sensação olfativa) e “adoçar” (gustativa). Miguel de Cervantes não deixa por menos: “Ouviu-se o som agudo e claro de um trombeta” (“agudo”: sentido da audição; “claro”: da visão).

Outro grande que se utilizou desse recurso foi Machado de Assis. Seus romances estão cheios dessa figura, justamente por ela ter características impressionistas – e Machado gostava muito disso. No romance “Ressurreição”, capítulo 3, escreveu: “E o protesto não foi só com os lábios, foi também com os olhos – uns olhos aveludados e brilhantes”. O mestre valoriza os olhos de Lívia, quando incorpora o tato (”aveludados”) e a visão (“brilhantes”). Em tempo: a adjetivação é impressionista e a referência aos olhos e aos lábios da personagem configura o erotismo inusitado da descrição.

Em “Brás Cubas” (capítulo 63), sai outra pérola machadiana: “Com os braços ao meu pescoço, calada, respirando muito (Virgília) deixou-se ficar a olhar para mim, com seus grandes e belos olhos, que davam uma sensação singular de luz úmida”. No trecho “luz úmida” o mestre cria uma bela imagem impressionista, em que se misturam as sensações visual e tátil experimentadas por Brás Cubas, o narrador “voyeur” de sua amante.

Já em “Dom Casmurro” (cap. 22), descreve: “Só então senti que os olhos de prima Justina, quando eu falava, pareciam apalpar-me, ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos os sentidos”. Textos machadianos em que se misturam tato (“apalpar”), audição (“ouvir”), olfato (“cheirar”) e paladar (“gostar”). Lembrando aqui que a visão, origem de tudo, está representada pelos “olhos da prima Justina”. Machado continua ímpar. Por Antônio Cerqueira.

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