Em uma das suas muitas músicas maravilhosas, Raul Seixas disse-nos: "...agora eu também resolvi dar uma queixadinha, porque eu sou um rapaz latino-americano, que também sabe se lamentar..."! E recorro a essa recordação para afirmar que todas as pessoas tem direito a ter opinião, certo? Há como discordar dessa afirmação? Não. Como a opinião é um fenômeno pertencente ao campo da identidade individual, os indivíduos tem a opção de construí-la como bem entenderem.
Era ideia do "rauzito", que ninguém tem o direito de dizer a um indivíduo o que ele deve ou não ler/assistir/ouvir. Tampouco a ditar com o que essa pessoa deve ou não concordar. Nem em que acreditar. E eu digo até que, em ambientes privados, o indivíduo tem direito a não explicar ou justificar o que pensa. Pode apenas expressar suas opiniões como achar melhor. A coisa muda quando estamos em um ambiente plural onde o debate é permitido.
Esse nosso indivíduo pode participar de um ambiente democrático apenas ouvindo. Nesse caso, ele não é obrigado a justificar o que pensa, como pensa e por que pensa. Suas opiniões, crenças e preferências estão limitadas ao domínio individual. Existem outras maneiras silenciosas (embora ativas) de participar. O voto é a mais simbólica delas.
Até aqui, vejam bem, o indivíduo tem liberdade ilimitada. Em seus domínios, o único senhor é ele. Ideias, valores e opiniões precisam de sua permissão para adentrar; e só sobrevivem caso ele escolha ser benevolente.
Uma vez que o indivíduo decide expressar esse arcabouço interno na praça pública, tudo muda. Vejam bem, ele ainda é o único senhor de suas preferências e crenças. Mas, quando escolhe se manifestar no "mercado de ideias", entram em jogo as liberdades de outros indivíduos que, juntos, formam a comunidade política em que todos eles vivem.
Manifestar opiniões em público é oferecê-las ao escrutínio público. Não há meio termo aqui: se você quer que sua opinião tenha a oportunidade de ser notada, ela automaticamente se torna passível de ser debatida e questionada. E o que isso significa? Há quem pense que isso configura um desrespeito à opinião em questão. Afinal, sou um indivíduo e tenho direito a ela.
O problema é que meu direito à opinião não é absoluto. Tenho todo o direito de nunca expô-la. Dessa maneira, ninguém tem o direito de questioná-la. Tudo muda quando decido me manifestar, ou seja, articular essa opinião em forma de fala, texto, imagem, música, etc.
É aqui que o meu direito individual à opinião encontra seu limite. Qualquer cidadão passa a poder questionar, discordar ou debater comigo. Fazê-lo não é um desrespeito a mim, já que escolhi expor o que penso no ambiente público. Neste lugar, outras pessoas tem o direito de interagir com minha opinião, goste eu ou não.
Sei que muitos ficam ofendidos quando isso acontece. Afinal, nossas opiniões tem raízes no que acreditamos e somos. Formá-las pode ser um processo intenso e doloroso. É por isso que é preciso estar preparado antes de dar o importante passo de expor uma opinião.
Precisamos estar preparados para que discordem do que dizemos, para que perguntem "por quê", "qual é a origem disso", para uma analise total e absoluta das nossas ideias. Não seremos obrigados a concordar ou mesmo a responder aos questionamentos. O preço da democracia, no entanto, é que estejamos sujeitos a passar por isso uma vez que escolhemos manifestar uma opinião na praça pública.
Isso não quer dizer que nossos debatedores estão automaticamente autorizados a nos desqualificar individualmente ou a ser hostis. Como indivíduos, devemos sim ser respeitados. Nossas ideias, no entanto, não gozam de tal proteção. Questionar uma ideia minha é me questionar. Querer debater comigo é expor publicamente possíveis contradições, lacunas ou omissões no meu pensamento. Uma ofensa. Não é.
Debater é democrático e civilizado. É um direito da sociedade debater ideias e opiniões. O coletivo pode, caso tenha esse desejo, pedir a você que se explique, elabore, esclareça. Uma vez dispostas em local público, suas ideias não estão mais ligadas apenas ao seu íntimo, elas também passam a integrar o corpo social. Todos passamos a ter o direito de conversar com elas.
Por isso, é recomendável a qualquer um tomado pelo desejo de se manifestar que esteja preparado para participar dessa dinâmica. Sempre há a escolha de tocar a campainha e sair correndo, claro. A avaliação do pensamento ocorrerá com ou sem sua participação.
Você pode até ficar ofendido por ser questionado ou por ter que dar explicações. No entanto, sua ofensa pertence exclusivamente ao domínio individual e ninguém deve a você nenhum tipo de satisfação. Você pode ficar furioso porque ninguém concorda com sua opinião, porque querem saber qual é a base de seu pensamento. Sua fúria não gera nenhum direito.
Debater pode ser exaustivo e intimidador, é verdade. Trata-se de um processo psíquico tortuoso porque precisamos aprender a manifestar nossas paixões por meio de lentes democráticas e civilizadas. É uma prática difícil. Temos de estar preparados até para perceber que estamos errados.
Viver em sociedade, especialmente numa democracia, significa sacrificar certas dimensões de nossa individualidade para permitir a existência de plena liberdade política. Nosso time favorito não vai necessariamente ganhar todos os campeonatos, não há garantia de que nosso candidato ganhará todas as eleições. O que se pode almejar garantir, no entanto, é que a participação seja ampla e plural, que todo cidadão tenha a possibilidade de ouvir e de ser ouvido.
Por esse mesmo motivo, sua opinião não pode "vencer" sempre. Numa partida de futebol, as regras do jogo valem para ambos os times. Um time superior tem o direito, desde que esteja respeitando as regras, de ganhar de 1 a 0 ou de goleada.
Uma equipe que sabe jogar defensivamente, mesmo que seja inferior, não estará fazendo nada "ilegal" se decidir o jogo em um contra-ataque fatal. Uma vez que topamos jogar, temos de aceitar essas possibilidades.
Expor nossa opinião segue a mesma lógica. Se ela entra em campo, pode "ganhar", "empatar" ou "perder". Pode jogar um campeonato e acabar rebaixada, na sétima posição ou campeã.
A analogia tem limites, claro, mas a ideia central persiste: da mesma maneira que um time de futebol não pode ficar ofendido e se dizer injustiçado quando perde um jogo no qual as regras foram respeitadas, não devemos esperar que nossa opinião não seja questionada uma vez manifestada publicamente.
Se entramos em campo para jogar, não temos direito absoluto à vitória. Precisamos nos esforçar para vencer, melhorando o esquema de jogo, substituindo atletas que não estão indo bem (ou que tenham se machucado). De maneira similar, não temos direito absoluto quando nossa opinião adentra o campo democrático do debate.
Estes fatos me facilitam o entendimento do que creem todos alienados que apoiaram e votaram em um candidato que não deveria está na disputa, por ter sido investigado, processado, condenado e preso como líder de uma organização criminosas de altíssima periculosidade. E isto me remete ao tempo em que democraticamente, Barrabás venceu Jesus Cristo num plebiscito aberto, amplo, irrestrito, transparente, legitimo e com direito a participação de todos os eleitores.
Barrabás deveria ser impedido de ter o benefício democrático daquela vitória eleitoral. O povo contrário a quem é criminoso, deveria ter se manifestado; ocupado os acessos aos quartéis, acampado em frente aos prédios militares, viralizado em suas redes de debates e expressado sua rejeição ao ladrão barbudo e satânico.
Estes fatos me submetem a crença de que muito mais democrático que votos de urnas suspeitas de fraudes; inserções em rádio e televisão roubadas e ministros sinistros das injustiças eleitorais, é o povo nas ruas exigindo intervenção federal contra as pautas de degeneração a pátria, as famílias e ao que é de Deus.
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