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23 de fevereiro de 2017

O PIEGUISMO DA TAGARELICE


Pior do que os que fazem fofoca, só os que param para ouvi-las
Meu amigo Gofredo achava que tinha encontrado o amor de sua vida. Tereza, dizia ele, era perfeita. Repórter de um grande jornal da capital da Bahia, Salvador. Bonita, loira de cabelos que escorriam quase até a cintura, libidinosamente petulante, inteligente. Falava de Paulo Coelho, de Ciro de Matos e de artes marciais, e não recusava qualquer conversa de bacharel. Piercing no seio, que ela dizia deixá-la em estado de contínua excitação, tatuagem de golfinho na virilha esquerda. Tudo bem que Gofredo é uma gangorra sentimental, sempre à procura da mulher perfeita, mas sua descrição de Tereza me fez acreditar que aquela história duraria pelo menos algumas semanas. Não durou mais que dez dias. Quando Gofredo me disse por que tinha demitido de sua vida uma mulher tão sensacional como Tereza, vi que ele tinha toda razão. Tereza era a Mulher Tagarela. Um homem suporta muitas coisas. Dor de dente, congestionamento, jogadores mercenários. Pedágios que se multiplicam, Claudia Leitte e Ivete Sangalo, o mosquito da dengue. Filas. Sogras, juízes de futebol, supermercados sábado pela manhã. É incrível a resistência do homem às calamidades. O que não dá para suportar é a Mulher Tagarela. Tereza, me disse Gofredo, era uma Mulher Tagarela. Seu assunto favorito, como sempre acontece nesses casos, era ela mesma. Tereza se julgava uma eterna manchete. Contava suas histórias com entusiasmo barulhento. Seus olhos se arregalavam ao falar de si própria. Não havia pausa, não havia brechas pelas quais o pobre Gofredo conseguisse deter o vulcão verborrágico da loira espetacular. “Tudo bem que a mulher fale antes e depois do sexo”, me disse Gofredo em sua estupefação tola. “Mas durante fica difícil. Não estou falando de conversa sexual. Ela me contava coisas como o elogio que tinha recebido do chefe, e de como tinha sido merecido. Uma vez ela me falou como tinha roubado o namorado rico e poderoso de sua irmã. Uma outra vez ela abriu os olhos subitamente e me disse se podia me fazer uma pergunta. Eu disse sim, e ela perguntou se eu podia trocar o pneu furado do carro dela. O pior é que troquei imediatamente.” A Mulher Tagarela não tem limites. Simplesmente detesta ouvir. Depois de escassos segundos de aparente atenção, você nota em seus olhos dispersos que ela não está ouvindo. Seus pensamentos estão na verdade voando em torno dela mesma. Nada do que você faz é capaz de prender o interesse da Mulher Tagarela. Por isso ela não tem amigas e nem amigos. É amiga apenas de si mesma. Gofredo é um jornalista aspirante a escritor. Contou empolgado a Tereza que uma editora de livros tinha decidido publicar o seu primeiro romance. O primeiro romance publicado de um aspirante a escritor é mais importante que o primeiro sexo ou que a primeira vez que dirige um carro. Ela bocejou e pediu a ele que fosse buscar um copo de água para ela. Metade gelada, metade natural. Estava com sede. Foi quando Gofredo desistiu. Não sem antes, é verdade, ter providenciado o copo sob medida de água para Tereza. Gofredo queria o básico. Nada além do básico. “Ela não precisava nem ler o manuscrito”, ele me disse. “Bastava pedir uma cópia e depois dizer que tinha achado alguns trechos legais.” Nos poucos dias em que estiveram juntos, Gofredo conheceu compulsoriamente toda a história de Tereza. Detalhes em geral pouco animadores de seus namorados passados. João Paulo falhara algumas vezes. Lúcio tinha ejaculação precoce e se recusava a enfrentar a verdade e procurar um médico. Danilo Góis gostava de vê-la com fantasias sexuais na cama. Edu, com certeza, não escovava os dentes. Otávio nunca tinha lido um livro, era um burro. Bruno achava que Sergio Leone era um jogador de futebol do Milan. A Mulher Tagarela só tem palavras positivas para ela mesma. Nem com piercing no mamilo se salva. Apenas uma espécie se compara a ela. É o Homem Tagarela.

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