Há coisas que só os bagunçados sabem encontrar na arrumação |
Dia desses, tentando achar um documento na verdadeira Babel em que há muito se transformou o meu cantinho de trabalho em minha residência, dei-me conta de quantos cacarecos tenho juntado naquele espaço que é, em toda a minha casa, o único realmente meu. Os outros ambientes são domínio da Joelma (a maioria) ou das meninas Ine e Fran, nos quais eu transito como um mero intruso permitido. No meu espaço de trabalho, não; ali eu impero como um monarca absolutista, lá eu posso guardar – ou entulhar, como diriam elas – as coisas que, em horas de maior autocomiseração, eu chamo eufemisticamente de “objetos pessoais”. Ninguém está autorizado a mexer em nada, nem mesmo Joelma que se contenta apenas em tirar superficialmente a poeira mais grossa, nada além disso. Acha-se ali de tudo um pouco. Fotografias de família, convites de casamento e de formatura, “santinhos” de sétimo dia, manuscritos de parentes e amigos falecidos, suvenires de viagens e um amaranhado de documentos e livros. Livros aos montes e invadindo o chão, entre os lidos e os que nunca foram sequer folheados, para minha angústia sempre crescente. Eu sei onde e em quais circunstâncias foi comprado cada objeto, e cada coisinha ali abrigada é um gatilho da memória que desperta dezenas, senão centenas de lembranças e sensações. Mexendo neles, viajo no tempo e sei que meu olhar vai para longe, levando-me de volta a cada um daqueles lugares visitados, a cada um dos momentos vivenciados em outras épocas saudosas. “Confesso que vivi”, como diria Pablo Neruda, ao meu modo e do meu jeito; não sei se certo ou errado, mas fiel a mim mesmo. A vida deveria ser medida em momentos, não em minutos. Há horas que passam sem deixar nada em nós, enquanto há momentos que duram uma eternidade no nosso relembrar. E como é bom termos recordações que nos mostram ter valido a pena o caminhar empreendido até agora! Os meus cacarecos afagam o meu coração, tarde da noite, quando estou organizando as contas e rasgando os papéis que se acumulam sem parar, pensando no amanhã que às vezes me preocupa.
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