Sou deputada federal no Parlamento Alemão (Câmara Baixa) e porta-voz da coalizão partidária alemã “Aliança 90/Os Verdes” na área da política do desenvolvimento. Meu interesse são a política de matérias prima, as energias extrativas e suas repercussões sobre o ser humano e o meio ambiente nos países do hemisfério sul. De acordo com minha experiência, poucos se beneficiam com a exploração das matérias primas. Esta avaliação também é válida para a área energética. Nesta área é imperativo que os rumos sejam definidos corretamente – é necessário deixar o petróleo para trás, acabar com o uso da energia nuclear e investir em um futuro renovável. A exploração de matérias primas e a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento e países emergentes são asseguradas por garantias à exportação de países industrializados ocidentais. O que contribui, por um lado, para o progresso tecnológico, e acarreta às vezes, por outro, um agravamento dramático dos problemas sociais e ambientais. VIAGEM DE UTE KOCZY AO BRASIL - No centro da minha viagem está o programa nuclear brasileiro e o apoio alemão à construção de Angra 3. A Alemanha optou durante a coalizão governamental com participação da Aliança 90/Os Verdes pelo abandono definitivo da energia nuclear. A crítica dos verdes foi a mesma apresentada pelas ONGs brasileiras e pela sociedade civil face às usinas atômicas no Brasil: faltam segurança e transparência, há riscos à saúde, poluição ambiental, custos e problemas excessivos por milhares de anos. Agora o governo recém eleito na Alemanha deseja promover ativamente a exportação de material nuclear e dar garantias a elevados créditos de exportação para possibilitar a participação da Siemens/Areva na construção de Angra 3. Critico este procedimento. Por este motivo, desejo falar com nossos parceiros e parceiras no Brasil sobre este tema. Através de encontros e conversas com críticos da energia nuclear de ONGs, representantes de sindicatos e da política desejo conhecer a discussão travada no Brasil bem como ouvir os argumentos e críticas apresentados. Pretendo visitar as usinas atômicas em Angra dos Reis e me informar sobre as normas em matéria de segurança e proteção ambiental. Além disso, gostaria de visitar a mina de urânio em Caetité localizada na Bahia e me informar sobre as condições de extração e ouvir as preocupações da população local. Em Brasília gostaria de conhecer a opinião das instâncias governamentais e das diversas ONGs. UM CASO PROBLEMÁTICO: ANGRA 3 - Em 1975 Brasil celebrou um acordo de cooperação com a Alemanha abrangendo a construção das usinas Angra 2 e Angra 3 com participação alemã, isto é, com garantias à exportação alemãs. Angra 2 iniciou a operação apenas em 2000, ou seja, com um atraso considerável e custos muito acima dos originalmente previstos. Já ocorreram diversas falhas. Por causa de numerosas preocupações de ordem técnica e dos custos altíssimos, a construção de Angra 3, iniciada em 1984, foi interrompida dois anos depois. Em 2007, presidente Lula tomou a decisão referente á ampliação das tecnologias nucleares no país, sendo o primeiro passo neste sentido, a conclusão da usina atômica Angra 3. Os trabalhos foram iniciados em junho de 2010. Na seqüência devem ser construídas mais usinas. Todo o processo de construção de Angra 3 sofre de muitas deficiências e problemas, esta situação é criticada por ONGs brasileiras, por políticos e representantes da sociedade civil no Brasil:
• A região de Angra dos Reis está sujeita a risco de terremoto. Além disso, o complexo de Angra ainda enfrenta a ameaça permanente de enchentes e inundações devido à sua localização perto da costa. Até a presente data, não há uma diretriz para casos de avaria, como enchentes, raios, ventos, gelo e neve, incêndios externos e outras ações externas associadas à sua localização.
• Outros problemas de segurança igualmente carecem de solução, como a falta de proteção contra queda de aviões e assim contra possíveis atentados terroristas bem como a realização apenas parcial de análises probabilísticas; o mesmo se aplica ao reator 2 que entrou em operação em 2000. A cidade Angra dos Reis possui cerca de 145.000 habitantes e no Rio de Janeiro, que fica a apenas 100 km na distância aérea, vivem milhões de pessoas.
• A questão do armazenamento de urânio enriquecido, altamente radioativo não foi resolvida em Angra 1 e continua pendente em Angra 2. Para Angra 3 também não há uma estratégia para o armazenamento do lixo atômico o que significa que problemas com a radiação radioativa já estão pré-programados.
• Os custos do programa nuclear brasileiro são astronômicos. Com 20 bilhões de dólares no total, foram ultrapassados todos planos orçamentais. Inclusive os custos de construção de Angra 3 já foram corrigidos para cima em 500 milhões de dólares. Quanto esta obra acabará por custar ao contribuinte brasileiro ainda é uma incógnita.
• Os componentes para Angra 3 ficaram armazenados anos a fio e a tecnologia já está ultrapassada antes mesmo das obras de construção serem iniciadas.
• Os trabalhadores da obra se queixam dos salários baixos demais pagos pela estatal INB e iniciaram uma segunda greve de vários dias logo no primeiro mês de construção.
GARANTIAS À EXPORTAÇÃO PARA USINAS NUCLEARES? - Considerando todos os problemas em Angra 3 mencionados acima, há apenas uma pergunta a fazer em minha opinião: em que medida se pode assumir a responsabilidade por esta obra? Além disso, há outra questão concreta a ser resolvida na Alemanha: em que medida este projeto deve receber garantias à exportação estatais. Para a construção do bloco Angra 3 foi anunciada a possibilidade de serem concedidas garantias da agência de crédito Hermes no total de 1,5 bilhões de euros. O Ministério do Meio Ambiente brasileiro vinculou a construção da usina atômica ao cumprimento de diversos requisitos (encontrar um depósito intermediário e um depósito final para o lixo atômico, planos de contingência em caso de catástrofe, etc.). Estas exigências por enquanto ainda não constam como pré-condições nas Garantias Hermes oferecidas pela Alemanha. (Obs - As “Garantias Hermes” são garantias à exportação que protegem empresas de perdas com pagamentos pendentes de seus parceiros no exterior. Se o comprador estrangeiro não honrar a sua dívida, o país do fornecedor ou de onde recebeu a garantia à exportação salda a dívida). Em 2001, a coalizão governamental formada pelo partido social-democrata e pelos verdes introduziu normas mais rígidas, p. ex., em matéria de padrões ambientais e no que toca os direitos humanos. Estas regras, conhecidas por “diretrizes ambientais Hermes”, proíbem, entre outros, que haja transferência tecnológica que envolva riscos. Na lista de proibições também figura p. ex. que a exportação de material nuclear seja promovida com garantias estatais Hermes. A coalizão governamental formada pela União Democrata-Cristã (CDU), União Social-Democrata (CSU) e pelo Partido Liberal (FDP) eleita no outono de 2009 rasgou estas diretrizes e, em princípio, prometeu ao consórcio Siemens/Areva já para início de fevereiro de 2010 a primeira garantia para a usina nuclear brasileira Angra 3. No Parlamento Alemão, o partido “Aliança 90/Os Verdes” pronunciou-se claramente contra esta nova medida de apoio às exportações de material nuclear. Ademais somos contra a concessão de garantias Hermes para Angra 3. AMPLIAÇÃO DE MINAS DE URÂNIO - Na problemática das usinas atômicas não se trata apenas da construção e operação de reatores nucleares, mas também da questão do fornecimento dos elementos combustíveis necessários. Atualmente o Brasil já ocupa a sexta posição com relação às reservas de urânio na comparação internacional, sendo que apenas 30% da superfície total do país foi analisada quanto à existência de depósitos de urânio. Hoje em dia há duas grandes minas de urânio em operação e há planos para a abertura e exploração de outras minas, além do incremento das exportações de urânio. O Brasil aposta no aumento do preço do urânio, enquanto as empresas de energia alemãs favoráveis à prolongação da vida útil das centrais nucleares esperam que os preços do urânio continuem permanentemente em baixa. A extração de urânio acarreta enormes problemas ambientais e por diversas vezes ocorreram acidentes. A população local que vive perto das minas se queixa do desrespeito dos seus direitos e dos riscos que a exploração de urânio gera para a saúde. Na minha visita da mina de Caetité pretendo conhecer os detalhes em primeira mão e assim formar minha própria opinião. BREVE RETROSPECTIVA: ABANDONO DA ENERGIA NUCLEAR NA ALEMANHA - Hoje em dia, a maioria da população na Alemanha é contra a energia nuclear. O mais tardar em 1986, com a catástrofe de Chernobyl, o uso da energia atômica passou a ser um tema importante na discussão política e pública. Em 2000, a coalizão governamental de social-democratas e verdes decidiu o fim do uso da energia nuclear, passando simultaneamente a promover maciçamente as energias renováveis. Assim, as empresas alemãs estão hoje entre os líderes de mercado neste segmento. Contudo, o novo governo formado por União Democrata-Cristã e Liberais, eleito em 2009, deseja revogar o acordo de abandonar a energia nuclear. Além disso, ainda tenciona prolongar a operação de centrais antigas e até fala na construção de novos reatores. O partido “Aliança 90/Os Verdes” está convicto: este é o caminho errado! A energia nuclear implica riscos altíssimos. As usinas nucleares estão longe de ser seguras, freqüentemente ocorrem falhas e panes. Em nenhum lugar do mundo há soluções convincentes para o depósito final do lixo atômico tão perigoso. Demais, a energia nuclear constitui uma fonte de energia com custos elevados, que pressupõe investimentos consideráveis, que no fim das contas, terão de ser pagos pelos consumidores de energia elétrica. Finalmente, resta considerar, que o uso civil da energia nuclear está sempre associado ao risco de proliferação, ou seja, que a tecnologia ou o material físsil enriquecido caia nas mãos de estados não democráticos ou movimentos terroristas. A ENERGIA NUCLEAR NÃO É IMPRESCINDÍVEL - A participação da energia nuclear está em torno de meros seis por cento no mundo todo. Há vários anos se deixou de construir novos reatores por causa dos elevados custos de investimento. Outras fontes de energia, em primeiro lugar estão as fontes renováveis, possuem um futuro muito mais promissor. Estas energias não dependem de matéria prima finita, são completamente inócuas e ecologicamente corretas. Além disso, existe um enorme potencial econômico na expansão das energias renováveis. Elevados investimentos em projetos nucleares constituem um retrocesso, pois atrasam a ampliação das energias renováveis. A meu ver, o Brasil reúne chances enormes nesta área, se levarmos em consideração que o país não possui apenas uma indústria própria forte e um rápido crescimento econômico, mas também apresenta condições excelentes para a energia eólica, hídrica e solar. A Aliança 90/Os Verdes quer o aprofundamento da cooperação entre o Brasil e a Alemanha na área das energias renováveis. AINDA NÃO É TARDE DEMAIS - Até agora o consórcio Siemens/Areva apenas recebeu uma promessa que a garantia seria em princípio concedida. Somente quando Siemens/Areva tiverem concluído os contratos de financiamento com os bancos financiadores, poderá ser dada uma promessa definitiva. O consórcio está em negociação com os bancos franceses Société Générale e BNP Paribas com relação aos créditos e a decisão, isto é, a promessa esperada para julho foi adiada por tempo indeterminado. UMA COISA É CERTA: Enquanto as verbas não forem liberadas para a construção, há possibilidade de exercer pressão sobre os governos, tanto no Brasil como na Alemanha, e assim conseguir que tecnologias nucleares duvidosas deixem de ser apoiadas. Na minha opinião, eis o melhor caminho para evitar a temida poluição ambiental, o risco à saúde para a população local, a expulsão da população indígena e a contaminação dos solos devido à falta de solução correta para o armazenamento do lixo atômico. (Ute Koczy, MdB - ute.koczy@bundestag.de).
Prezado amigo Val Cabral
ResponderExcluirA adoção da energia nuclear como uma alternativa viável para se reduzir o ritmo das mudanças climáticas tem sido defendida até por alguns ambientalistas, que a consideram a melhor maneira de reduzir as emissões de carbono.
Nos Estados Unidos, mesmo com hostilidade da administração Obama a ações para a redução do aquecimento global, existe uma tendência para se dar um maior ímpeto à energia nuclear.
Isso tem levado alguns "verdes" a adotarem uma postura de que é melhor uma revitalização nuclear do que não se fazer nada em relação às mudanças climáticas.
Paulo do Pontalzinho
paupont@bol.com.br
Val Cabral, o Brasil deve sim ter, a energia e algumas bombas para garantir sua propria segurança!!! se os USA e outros podem o Brasil tambem pode e deve ter!!!!!
ResponderExcluirLuciana Ribeiro
Na verdade, os países que detém a bomba, não querem que outros a tenham para poder intimidá-los e dominá-los ideologicamente e/ou economicamente. Reinaldo Vieira
ResponderExcluirA construção de hidrelétricas causam um impacto monumental no meio ambiente. Termoelétricas nem se discute. Energia solar e eólica não dão conta.
ResponderExcluirA nuclear de forma responsável é a melhor opção.
E por mim, estrategicamente, o Brasil não pode - eu repito - NÃO pode prescindir de armas nucleares.
Rogério Barreto
Quem quer impedir o país de adquirir armas nucleares foi exatamente o único país do mundo a detoná-las contra seus inimigos.
ResponderExcluirCarlos Costa de Lima
Lembram-se dos "anti-armas" e no que deu? Agora a questão é outra(lá no fundo é a mesma): a da corrida armamentista nuclear, para os "empanicados de plantão" significa ARMAGEDOM! ECATOMBE! APOCALIPSE!
ResponderExcluirHildete Conceição
De todos os blogs de Itabuna, esse é o mais compacto e completo, parabéns!
ResponderExcluirDaniel Rebouças
Pois é, os poderes que já têm a bomba não querem que outros a adquiram. Mas esses outros, como Irã e Coréia do Norte, não aceitam a restrição imposta pelos grandes.
ResponderExcluirFernando Brito
Prezado amigo Val Cabral
ResponderExcluirO papo do momento é a energia nuclear. Questão polêmica existe em todo o campo do conhecimento. Alguns apostam na ética como freio à ação mal utilizada do conhecimento. Tivemos casos polêmicos como a “célula tronco”, uma especulação com um resultado abominável. Outra pesquisa estranhíssima é o “biocombustível”, a cordabamba entre o alimento e algo que se diz combustível, um horror. Existe mais, a proposta de transformar o País em uma lagoa, mais um erro. Mais exemplo, a epidemia que caiu no discurso sem fim de govermança insuficiente e como resultado dor, angústia e morte – terrível. A contradição cerca a ciência, conhecimento e avanço. Talvez a culpabilidade seja da insensatez. A alternativa é um instrumento de pesquisa para responder a necessidade, conforto e avanço humano. Para livrar a energia atômica do mal uso o instrumento mais rápido seria a justiça. Não somente nesse tipo de pesquisa, mas em todo o caminho do conhecimento. A justiça aplicada em cada etapa da produção até a finalização do produto. O resultado seria mais uma fonte segura de energia. Sem o terror diário do fim.
Paulo do Pontalzinho
paupont@bol.com.br
Energia nuclear poderia resolver a energia do mundo. O mal é o lixo atômico e a bomba.
ResponderExcluirLuciana Mendes
Energia nuclear poderia resolver a energia do mundo. O mal é o lixo atômico e a bomba.
ResponderExcluirJosé Henrique Barros
Interessante, passaram-se mais de 50 anos do final da Segunda Guerra Mundial e ninguém discute sobre a legimitidade do direito às armas nucleares por parte dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França, da China, da Rússia e mais algumas ex-repúblicas soviéticas. Por que eles podem e os outros não?
ResponderExcluirJosé Roberto Medeiros de Lima