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27 de julho de 2025

ILHÉUS, A CIDADE QUE ESQUECEU DE SE LEMBRAR

     

Emenson crer que “em tempos de orçamento minguado, empresas podem “cuidam” do que o poder público não consegue mais sustentar.”

Dizem por aí que “quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Em Ilhéus, o problema é que não há nem como repetir, porque a sua história está cada vez mais esquecida, em ruínas, desabando aos poucos entre o esquecimento oficial e o desprezo institucionalizado. Aqui, terra que nasceu praticamente junto da chegada dos portugueses e com isso, estamos a rumo dos 500 anos, o que se preserva, de fato, é o desrespeito com a memória.

A cidade histórica virou só o adjetivo. “Histórica”, porque está escrito nas placas, nos livros e nas promessas de campanha. Porque, na prática, o que se vê é o passado sendo empurrado para o esquecimento, escondido sob tapumes e mato alto, ou despencando sobre a calçada.

Mas o marketing institucional, ah, esse sobrevive firme e forte, talvez por também estar blindado contra a ação do tempo, da chuva e da vergonha. Não é só estátuas de Orixás que se quebra ao ser tirada da Casa de Jorge Amado. É a espiritualidade de um povo sendo tratada como entulho de segunda categoria. Onde estão as estátuas? Retornaram ao acervo cultural? Pois é a cultura afro-brasileira sendo removida sem cuidado, sem consulta e, sobretudo, sem respeito. O descaso não é acidental. É estrutural. Faz parte de uma lógica que acha que patrimônio não dá voto e que orixá não enche palanque.

É preciso dizer com todas as letras: Ilhéus virou uma cidade que só lembra da sua história em ano de eleição. O resto do tempo, o que temos são promessas recicladas, projetos em “andamento” que nunca andam e o tal planejamento que nunca é executado porque não existe até hoje, e o que se vê é uma população sendo convocada, ano após ano, a celebrar as ruínas como se fossem conquistas.

Enquanto isso, a especulação imobiliária avança impiedosa, verticalizando o sul da cidade e achatando a memória no centro. Porque no embate entre o progresso de cimento e a memória de barro, a história sempre perde. E perde feio.

Símbolos desaparecem, memórias são arrancadas dos espaços públicos sem aviso, como se não tivessem valor algum e o que sobra é o silêncio. Não aquele que respeita, mas o que apaga. Cadê o busto de Rui Barbosa? O que fizeram ? Onde está? Quando retorna ao seu lugar ? Quando se busca explicação, encontra-se a velha saída pela tangente, “ninguém sabe, ninguém viu, ninguém responde”. O que era para cuidar coletivo virou desaparecimento consentido, o que deveria ser honra, virou incômodo e assim, aos poucos, vamos enterrando fragmentos da nossa própria identidade, sem velório, sem luto, sem culpa.

E assim vamos caminhando, como quem assiste ao próprio passado ser varrido aos poucos, sem alarde, sem escândalo, sem nem um “comunicado oficial”. Some daqui, quebra dali, desaparece acolá… e ninguém viu, ninguém sabe, ninguém se responsabiliza. Parece até que preservar virou sinônimo de gastar demais, atrapalhar demais ou, pior, se importar demais. O poder público, com seu zelo intermitente e memória seletiva, finge que está tudo bem enquanto as páginas da nossa história vão sendo arrancadas uma a uma, discretamente, sem nem levantar poeira. É nesse vácuo, nesse silêncio conveniente, que começam a surgir as “soluções”.

Mas há sempre quem veja na continuidade desse abandono uma oportunidade. E aí entra a mais recente saída embrulhada em verniz de modernidade: a Lei de Naming Rights. O argumento? Permitir que a iniciativa privada adote e renomeie equipamentos públicos, especialmente os ligados à cultura. O risco? Transformar o já fragilizado em vitrine para quem tem dinheiro e interesse comercial.

A proposta parece simples: em tempos de orçamento minguado, empresas “cuidam” do que o poder público não consegue mais sustentar. E verdade seja dita: Ilhéus precisa, sim, de alguém que salve sua história. O problema é quem, como e com que critérios se fará esse resgate. Porque quando a salvação vem com logomarca e contrato de marketing, não se pode fechar os olhos e deixar correr solto.

A iniciativa privada tem papel importante, mas não pode agir sozinha, nem segundo seus próprios interesses. Cabe ao poder público não apenas autorizar, mas acompanhar de perto, estabelecer regras, garantir limites e, sobretudo, proteger o que é coletivo. A Lei de Naming Rights pode, sim, ser uma ferramenta útil. Mas só será legítima se estiver inserida num projeto maior, que coloque o interesse público acima do retorno financeiro. Um projeto que respeite as origens, ouça as comunidades, valorize a cultura viva e não apenas a que rende likes ou status de empresa “engajada”.

Quando os espaços da memória precisam de um CNPJ para continuar existindo, o problema não é só a falta de dinheiro, é a ausência de prioridade. E se o nome de uma marca vier ocupar o lugar de um nome histórico, de uma luta ancestral, de um símbolo cultural, estaremos apenas substituindo um apagamento por outro.

É preciso cautela, preciso coerência, preciso política pública com direção, com afeto e com firmeza. Porque se não houver um plano maior, se não houver compromisso verdadeiro com a memória, se não houver escuta real às comunidades tradicionais, aos artistas, aos estudiosos, aos mestres do saber, a cidade corre o risco de vender o pouco que ainda resta e ainda sair no prejuízo.

Ilhéus precisa, sim, de quem a salve. Mas não de qualquer salvador. Precisa de responsabilidade, de visão, de coragem política. Precisa lembrar que cultura não se resolve só com edital nem com patrocínio. Cultura se cuida com respeito, com estrutura, com permanência.

E que fique claro, se um dia tudo desabar de vez, não será por falta de aviso. Será por excesso de esquecimento e conveniência. Por Emenson Silva.

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