Pouco mais de uma hora entre ida e vinda de uma curta viagem, o que seria uma simples conversa descontraída durante o trajeto, transformou-se no relato de uma grande tragédia. A pessoa que me acompanhava era um jovem trabalhador de quarenta e seis anos de idade, pintor, casado, pai de quatro filhos e semianalfabeto. O conheci há pouco tempo, por indicação, e o contratei para realizar um serviço em minha casa. Gostei do moço, bom profissional, caprichoso no desempenho do seu ofício.
Papeando descontraidamente perguntei sobre família, filhos, um diálogo normal entre recém-conhecidos quando percebi que as suas respostas estavam carregadas de forte emoção. Dois dos seus quatro filhos entre dezoito e vinte anos se envolveram com os horrores do consumo e tráfico de drogas. “Quando eu e minha mulher descobrimos que o mais velho tinha entrado nesse ramo, nossa vida virou um inferno”. Prendê-lo em casa, vigiar todos os passos, revistar as suas coisas, roupa, brigas e brigas, agressividade de ambos os lados.
Noites mal dormidas esperando a volta do filho
ou talvez uma triste notícia. Aos vinte anos, o jovem pagou o preço do
infortúnio e foi brutalmente assassinado por comparsas, crivado de balas,
cumprindo a “lei” do acerto de contas. Antes mesmo que eu pudesse lhe
transmitir uma palavra de conforto, percebi certa ansiedade no pintor. “Minha
desgraça não terminou aí, não...”, falou aquele homem com voz embargada quase
me surpreendendo pelo repentino desabafo.
Sentado na
poltrona do õnibus ao seu lado, agora em completo silêncio, optei por só
ouvi-lo e me surpreendi quando disse que pouco tempo depois da morte do seu
primeiro filho, descobriu que o mais novo, dezoito anos, já estava nas mãos dos
traficantes. Nem precisa dizer que esse pai, pobre, sem estudo, mas um homem de
bem, trabalhador, entrou em pânico. O que fazer? Vigiá-lo por todos os lugares;
proibir seus amigos de frequentarem sua casa; chamar a polícia para assustá-lo?
Moralmente vencido, decidiu tomar uma
atitude de extrema radicalidade. Entre pranto e desespero da mulher, mãe dos
seus dos seus filhos, expulsou o moleque de casa. Abandonado sem teto para lhe
abrigar, juntou-se a uma adolescente também usuária de drogas. Não demorou
muito e um bandido chamado Zé Pequeno, chefe de tráfico, atualmente preso e
conhecido no mundo do crime, descarregou seu revólver atingindo o filho do
pintor com seis tiros.
Uma semana
depois a menina com quem estava vivendo também foi assassinada a tiros dentro
de sua própria casa. Milagrosamente e para amenizar a dor desse pai, seu filho
sobreviveu e hoje mora em Santa Catarina trabalhando e recuperado. O pintor
continua levando sua vida dolorido e assustado com a quantidade de jovens
envolvidos no tráfico e a violência nas abordagens indiscriminadas da polícia
no bairro onde mora, o Nova Esperança, onde fica o presídio e de onde sai
ordens, para causar desordem e mortes em Itabuna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente no blog do Val Cabral.