Tem um ditado popular que diz: “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não entende da arte”. Minha memória é repleta de ditos populares, que normalmente considero sábios, mas durante um almoço, esse em particular me fez questionar o quanto de opções precisamos adotar para acatar essa sugestão de comportamento como sendo a mais adequada.
Alguns dias na semana eu tenho a oportunidade de almoçar em casa com minha esposa Joelma, e nesses casos quem faz o almoço é ela. Nesse dia a que me referi ela decidiu preparar um assado do peito de frango e peguei um pedaço de filé. Ao invés de cortá-lo ao meio, achei por bem fazer medalhões, o que resultou numa porção impossível de ser repartida por igual.
Para simplificar, ela colocou na mesa os pratos servidos, portanto teve que escolher qual de nós dois iria ficar com a maior parte e não hesitei em colocar para ela, afinal sendo mais magra, baixa e mais jovem, naturalmente precisa de mais quantidade de comida que eu.
Acontece que eu gosto de frango e para fazer isso eu precisei recorrer, ainda que sem pensar, ao significado de equidade, solidariedade, ou qualquer outro valor que fale ao ouvido que não sou o centro do universo.
Quando uma ideia dessas surge, rodopia na minha cabeça feito pião, dai eu ter preferido encarar minhas dúvidas a respeito do dito e me perguntei, porque fiz isso? Fácil, era para Joelma, minha esposa.
Não foi suficiente e tornei a questionar se faria a mesma coisa em não se tratando dela, e lembrei que diversas vezes com a casa cheia de parentes e amigos, abri mão dos “melhores pedaços”.
Continuava insuficiente, queria saber mesmo era se conseguiria fazer isso por estranhos, gente que nunca vi, que não sei quem são, que não atravessam meu caminho. E me animou imaginar que seria sim capaz, ainda que sempre haja uma ponta de dúvida…
Quem ensina essa capacidade de dividir? Onde aprendemos o significado de solidariedade? Quais lições ou experiências recebemos ou vivemos para acreditar que é possível ser feliz com um pouco menos? Conseguir uma resposta razoável reforçaria em mim a ilusão que comportamento solidário pode ser ensinado.
Minha comoção com a desigualdade não nasceu comigo, ela foi aprendida vendo o mundo real e lendo um pouco dos estudiosos do assunto, eles sim, afirmam que esse é um cenário degradante.
Eu vou apenas me atrever a intervir declarando uma curiosidade, a de saber o que faz de diferente um milionário de um bilionário? Será que existe tanto conforto a mais nesses mega ricos que há na vida dos muito ricos? Ou a diferença é apenas na diversidade da carteira de aplicação financeira?
Não tenho a menor ideia de como começar a discutir a suspeita de que esse modelo de salve-se quem puder que adotamos, poderá nos levar ao fracasso como seres humanos e levianamente penso que a falta de necessidade de dividir uma porção de frango pode ter tirado dos simples imortais a capacidade de enxergar o mundo com olhos de solidariedade.
A vida com preocupações terrestres como por exemplo, a fome do miserável, o preço do gás, a conta da energia, a falta de água potável, ocupa tanto o meu cotidiano que sequer sei como dar um pitaco se o assunto é bolsa de valores ou juros extorsivos.
Mas voltando ao almoço de casa, tenho certeza que apenas fiz com Joelma o mesmo que minha mãe fez comigo na hora de servir comida e assim como ela, o fiz de forma silenciosa, portanto não tenho certeza se foi aí que aprendi, mas quero muito acreditar que alimentá-la da melhor forma tenha ajudado a criar um comportamento solidário, sem dúvidas a respeito da necessidade de dividir.
Quem parte e reparte jamais devia se sentir bobo por fazer isso da forma mais justa e a arte é espaço dedicado à beleza e não a arbitrariedade, desigualdade ou desrespeito.
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