ÉPOCA - capa da edição 983 - Mercadores de leis |
A Revista Época
desta semana traz os bastidores da votação do projeto de lei para punir abusos
cometidos por autoridades. Após duas horas e 20 minutos, o senador Roberto
Requião, do PMDB do Paraná, encerrou a leitura na Comissão de Constituição e
Justiça, no início da tarde de terça-feira, dia 18, de seu relatório sobre um
projeto de lei destinado a coibir e punir abusos cometidos por autoridades. Ato
quase imediato, seu colega Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, fez um pedido
de vista, um recurso para ganhar tempo com o objetivo de analisar melhor uma
matéria. Numa comissão com 12 investigados pela Lava Jato, o plenário reclamou
de Randolfe. “Não cabe aqui dizer que estamos tendo pressa de votar. Este
projeto é de 2009. Não vejo por que não votar hoje”, disse a senadora Gleisi
Hoffmann, do PT do Paraná, ré pela Lava Jato e investigada em três inquéritos. O
líder do PMDB, senador Renan Calheiros, investigado em 12 inquéritos oriundos
de casos de corrupção descobertos pela Lava Jato, acompanhou Gleisi. Citou todo
o caminho do projeto, as concessões que fez para que a matéria não fosse votada
com urgência e atacou o Ministério Público Federal. “Nós precisamos cumprir
nossa obrigação, independentemente de interesse de corporação, que cada vez
mais é evidente aqui nesta Casa por pressões variadas”, disse. Réu em cinco
inquéritos da Lava Jato, o senador Edison Lobão, presidente da comissão, cedeu
a Randolfe, sob protesto. “Dizer-se que estamos procedendo com açodamento é uma
brutal injustiça. Está havendo obstrução no encaminhamento desta matéria”,
disse. “Vou conceder vista coletiva por cinco dias, marcando a próxima sessão
para discussão e votação definitiva do projeto. Não admitiremos mais obstrução
e nenhuma outra chicana.” A turma de senadores atingidos pela Lava Jato estava
com Requião. O projeto relatado por ele é daquelas matérias que têm mérito
institucional, mas são instrumentalizadas com oportunismo para servir a alguns.
Foi ressuscitado por um grupo de senadores acusados de corrupção como forma de
intimidar e reduzir os poderes de quem investiga e pune políticos – no momento,
os que participam da Operação Lava Jato. O procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, foi pessoalmente ao Congresso no início do mês apresentar um
projeto seu, alterando o texto original, apresentado pelo líder do PMDB,
senador Renan Calheiros, e relatado por Requião. Suas sugestões foram deixadas
de lado. O senador Randolfe Rodrigues, que joga com a força-tarefa da Lava
Jato, conseguiu adiar o desfecho. LEIS SOB ENCOMENDA - A
pressa ficou mais aguda entre uma parte dos senadores, mais precisamente 24
incluídos na lista do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, após
a divulgação das delações de 77 executivos da Odebrecht. Eles relatam a
existência de um mercado de leis no Congresso. Há acusações escancaradas, com
detalhes de negociações espúrias, nas quais deputados e senadores recebiam
dinheiro para fazer leis em benefício de negócios da Odebrecht. Coisa simples e
abjeta: o parlamentar eleito pelo cidadão aproveita para ganhar dinheiro
trabalhando para a Odebrecht, em detrimento do cidadão que o elegeu. O
pagamento vinha em doações oficiais ou caixa dois, muitas vezes em dinheiro
vivo. A estrutura de sistemas de informática, contas no exterior, doleiros e
transportadores de valores, coordenada pelo Setor de Operações Estruturadas, o
departamento de propina da Odebrecht, cuidava de tudo. Por meio de nota, o
senador Renan Calheiros disse: "Nunca mercantilizei leis. Ao contrário.
Proibi os 'jabutis' e cobrei responsabilidades dos que faziam isso. Jamais me
senti devedor de doadores de campanhas eleitorais ou de lobistas que circulam
legítima ou ilegitimamente pelo Congresso Nacional. Humildemente repito que não
temo ser investigado. Tenho certeza de que jamais serei condenado por qualquer
conduta, uma vez que sempre atuei dentro da legalidade".
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