José Adervan combateu o bom combate, terminou a corrida e guardou a fé |
Há bem pouco tempo eu ia ao cemitério para enterrar os avós dos meus amigos, velhinhos que haviam encerrado a sua caminhada tranquilamente, no desenlace natural de uma vida plenamente aproveitada. Depois comecei a ir para o sepultamento dos seus pais, pessoas com as quais eu tinha convivido de perto, homens e mulheres que eu tinha conhecido fortes e produtivos e que sem aviso prévio fecharam os olhos para sempre, quando tanto ainda tinham para nos ensinar. E chegou finalmente, mais de repente ainda, essa hora tristíssima de comparecer ao enterro dos amigos da minha boa relação de amizades. Fiz essa constatação no mês passado, no velório do meu querido amigo, José Adervan, parceiros de boas e longas conversas, infelizmente vitimado por um câncer no domingo do último dia 12 de fevereiro. É interessante como, a partir do outro, vamos tomando consciência do correr da nossa própria existência. Mesmo com a queda veloz dos cabelos, e o embranquecimento dos poucos que teimam em permanecer na nossa cabeça, quando olhamos no espelho parece que ainda vemos a criança de ontem, perdida em algum lugar das nossas retinas já cansadas. Em meio a rugas de expressão e à pele flácida do rosto, é como se ainda se revelasse – somente aos nossos olhos – o menino que um dia fomos, gritando para não deixarmos morrer os sonhos que ele acalentou em seus desejos mais profundos. Mas quando olhamos para os que caminham ao nosso lado, parentes e amigos, essa ilusão logo se desfaz, e a realidade impõe-nos a sua presença impiedosa: “Como fulano envelheceu”; pensamos com os nossos botões, “como sicrana está acabada”, lamentamos em nosso íntimo – e certamente causamos nos contemporâneos que nos veem essa mesma perplexidade, em maior ou menor grau. A pouco mais de meio ano dos meus 56 anos, tenho a consciência de que já possuo mais tempo vivido do que tempo a viver. No embornal fictício onde carrego o que amealhei até agora, há mais passado do que futuro; é o ritmo natural das coisas, e não há nisso nada de extraordinário. A vida não é uma equação matemática, um cálculo aritmético cujo resultado é sempre idêntico e previsível. Viver é impreciso, já nos dissera o saudoso jornalista José Adervan, e é nessa imprecisão que haveremos de navegar mar adentro, ora em meio à intemperes e tempestades, ora usufruindo da leve brisa das manhãs ensolaradas. E há uma frase de Adervan, que é verdadeiramente sábia e pertinente: “O que sei é que nasci e vou morrer. Nesse intervalo, o que mais importa é simplesmente viver”.
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