ACREDITAR EM DEUS É O QUE NOS CONFORTA |
Viajar é muito bom e adoro conhecer novos lugares e mais pessoas. E nisso conheci uma pessoa meiga, angelical, alegre e simples. Seu nome era Néia. Só o publico porque ela me autorizou. Escrevi este artigo ainda no voo. E li para ela. Sorriu encabulada. Parece que gostou. Sentou-se ao meu lado. Eu tinha um livro na mão. Delicadamente, ela puxou conversa. Delicadamente, pediu desculpas no caso de estar me incomodando. Fechei o livro. Pessoas são mais importantes que livros, embora os livros nos ajudem a entender as pessoas. “Tenho muito medo de avião” – disse-me com voz embargada, olhar suplicante, cabeça baixa. Eu disse que era comum as pessoas terem medo de avião, que eu também tinha um pouco, mas que havia me acostumado. E racionalizei dizendo qualquer coisa como que o avião era o meio de transporte mais seguro. Só perdia para o elevador. Ela fez uma pausa e diminuindo a tonalidade da voz, disse em confidência: “Tenho muito medo de elevador”. “É mesmo?”, eu disse e logo tentei amenizar meu espanto: “Sabe que meu primogênito tinha medo de escadas rolantes?!” Ela respondeu: “Eu também não gosto. Mas prefiro escadas rolantes a elevador. Em elevador, eu não entro”. O avião começava a desfilar pela pista. Ela foi ficando inquieta com a movimentação. Pediu-me autorização para pegar na minha mão. Eu consenti. Fechou os olhos. Prendeu a respiração. Fiquei em dúvida se puxava alguma conversa ou se a deixava ali, em seu silêncio, em sua oração, talvez, até que o avião atingisse altura. Ela mesma quebrou a pausa: “Já rezei”. “Que ótimo! Então não vai acontecer nada”. “Espero que não. É tanta gente pedindo coisa, né?” E soltou um sorriso faceiro. “Mas Deus é Deus. Ele consegue ouvir todo mundo”. “Eu sei”. Contou-me que era seu primeiro voo. Que a filha se mudara de Salvador para Ilhéus. Que era um presente da filha que ela fosse visitá-la. Filha única. Não havia como não atender, embora tivesse postergado algumas vezes. Falou-me de doenças. “Sofro dos nervos, sabe? Tem dia que choro o dia inteiro. Mas cada um tem a sua cruz”. Falou-me de tecnologias. Aprendeu a usar alguns aplicativos que a aproximam da filha. “Imagina, ela lá em Ilhéus e eu na minha casa, uma olhando para outra. Parece milagre, né?”. Contou, ainda, que não divide as tristezas com a filha. Melhor dividi-las com Deus. Deus não se incomoda em ser incomodado. Até gosta. Foi me explicando esses detalhes. Passou o carrinho com comida. Ela perguntou baixinho. “Será que é muito caro? Estou com um pouco de fome”. Eu expliquei que era de graça. Ela estranhou. Eu disse que algumas companhias aéreas cobravam, mas que aquela servia de graça. Ela piscou para mim e disse que a filha era esperta ao ter escolhido aquela companhia. E começou a elogiar a filha. E chorou alguma lágrima quando falou que a criou sozinha. Que o marido partiu logo que a filha chegou. Voltou ao texto de que cada um tem sua cruz. Falou-me das vizinhas, das comadres, do padre, dos preços das comidas, das modernidades dos jovens, da falta de amor aos velhos. Explicou que a filha era diferente. Que era o seu orgulho. Que estudou o que ela não pôde estudar. Que era uma executiva importante. Disse isso e sorriu. “Eu nem sei direito o que isso significa”. Eu sorri também. O avião ia descer. Néia já estava tão senhora da situação que nem se incomodou. Pela janela, mostrei a ela o mar de Ilhéus. Ela olhou para o mar, olhou para o céu e soltou “E tem gente que não acredita em Deus!”. Saímos juntos do avião. Ela tinha um pouco de dificuldade em andar. Foi no seu passo. Eu estava sem pressa. Ainda teria que viajar até Itabuna e enfim, chegar em casa. Tive curiosidade em conhecer a filha. Fiquei feliz com aquele encontro. Néia chorou, a filha a envolveu em um abraço bom. Convidou-me para comer alguma coisa. Agradeci. Já estava alimentado com aquela prosa. A simplicidade é um dos mais lindos valores que aquecem a natureza humana. Fiquei com a frase de Néia depois do seu encantamento diante da paisagem: “E tem gente que não acredita em Deus!”.
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