O que tenho falado é muito pouco do que tenho para aprender |
Trago comigo o que foi plantado em minha alma às
margens do rio Cachoeira, por entre suas margens onde o sol se espalhava no
espelho d´água, tingindo de vermelho laranja e amarelo, o divisor de partes de
Itabuna, sob brancas nuvens e céu azul. O verde que se aninhou naquele tempo em
suas margens fez surgir em meu coração uma esperança que nunca morre, e
retempera em mim a crença de que é preciso seguir avante, sempre e sem parar,
mesmo que no caminho existam pedregulhos que nos machucam os pés e crateras que
retardam os nossos passos. Não há tempo para enxugar as lágrimas nem lamentar
as perdas, para o repouso ou a trégua. Assim também resiste o moribundo rio
Cachoeira. Ir, eis a ordem. No
colo materno aprendi a ver a sabedoria escondida na simplicidade e na
prudência, a palavra poupada quando se fazia desnecessária. Nos braços dos meus
avós toda ternura testemunhei a bondade traduzida em gestos concretos, as
portas sempre abertas para os desvalidos, a mesa sempre posta para servir aos
famintos, o ouvido sempre disponível para as queixas e os lamentos. Com um
vizinho generoso testemunhei o milagre cotidiano da multiplicação dos pães a
encher a barriga da sua grande parentela rural. Não recebi lições de força
física, sequer me ensinaram a briga ou a disputa. Mostraram-me pardais na jaqueira
e os pássaros que saíam dos bambuzais da ilha do Jegue, mal a noite se
anunciava, sobrevoando as nossas casas com o seu voo pontual. Fizeram-me ouvir
sapos no meio da manhã, e galos apressados que cantavam antes mesmo de o dia
raiar. Tomei banho de
chuva em tardes de inverno, ao som de cigarras que faziam algazarra nas jaqueiras
do sítio do seu João Moraes, pai do blogueiro Chaparraus e onde onde está
fincada a Câmara de Vereadores. Joguei gudi, rodei pião, fiz guerra de mamonas
lançadas de estilingue – que para nós era muito divertido. Cantei benditos
marianos no mês de maio, entoei a ladainha de Santo Antônio em junho, na casa
de Dona Stela, mãe do benemérito da Santa Casa, José Laytiner e comi caruru na
sexta-feira da Paixão, ouvi os sinos silenciados em respeito ao sofrimento e
morte do Redentor. Corri de bicicleta pelas ruas do Prado, Silveira Moura...,
pulei de pés descalços em poças de lama e sarjetas transbordantes. Apontei
estrelas sob o risco de verrugas no indicador, gesto ousadíssimo para a minha
pouca coragem infantil. Tive pesadelos com a “mão cabeluda”, que diziam existir
no fundo do rio Cachoeira, fugi com medo do “Tarzan”, que se vestia de Papai
Noel, das caretas dos carnavais e do “bicho que pegava menino traquino”. Vivi a
intimidade com o sagrado e me afeiçoei ao silêncio, entre altares e castiçais.
Semeei sonhos que nunca viraram realidade, enquanto cruzes de cemitério foram
aos poucos tomando o lugar de muitos rostos amigos. Faço meus os versos de Almir
Sater; “Ando
devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje
me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe? Só levo a certeza de que muito
pouco eu sei. Nada sei.”
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