Foi na primeira eleição de Lula à
Presidência da República que o PT levou a sociedade brasileira a trocar o medo pela esperança, o
preconceito pelo desejo de mudança. O temor de que o “sapo barbudo” ganhasse a
eleição, jogasse no lixo o legado do Plano Real, socializasse os meios de
produção e até comesse criancinhas enfim cedeu ao cansaço da população com os
escândalos políticos constantes e uma classe dirigente que, majoritariamente,
lhe dava as costas para tratar apenas dos próprios interesses, permitindo que o
partido que vendia a ideia de deter o monopólio da ética finalmente ascendesse
à condição de condutor político e administrativo do país. O contexto
de desesperança e desilusão com a elite política dominante era tamanho que
construiu-se a possibilidade de colocar no posto de principal mandatário do
país alguém sem experiência administrativa alguma, que deliberadamente se
negara antes a concorrer a cargos executivos menores, como os de prefeito ou
governador, focando exclusivamente na cadeira presidencial como quem
administrava com absoluta racionalidade uma verdadeira obsessão. A insegurança
daria finalmente lugar ao que se apresentava como novo, do ponto de vista
político, e revolucionário, sob a perspectiva moral, num país politicamente imoral.
Porém, do que anunciava fazer para o que o PT efetivamente fez até agora, vai
uma distância insuperável, que expõe muitas vezes uma contradição completa,
para não dizer uma negação cabal do que foi prometido. Deve ser por isso que o
partido que superou o temor que ele próprio, por práticas e posições,
habituou-se a incutir na população, tenha tanto medo, principalmente, de perder
a eleição. E, por esta razão, venha tentando manipular o medo de forma tão
infantil contra os adversários. Primeiro, foi Lula, ainda no ano passado, numa
das primeiras inserções do PT na TV, afirmando que estavam planejando –
ele não especificava quem – acabar com o Bolsa Família. Agora, é a
mais nova propaganda petista insinuando que o desemprego embasa o projeto dos
adversários ao plano petista de reeleger a presidente Dilma Rousseff. Isso, sem
contar as referências cada vez mais constantes de quadros da sigla à
possibilidade de extinção do programa de proteção social pelos adversários,
deliberadamente utilizadas para espalhar a ojeriza entre entre eles e os
beneficiários do Bolsa Família. Primeiro, o programa não é propriedade do
PT, o que significa que, eventualmente deixando o poder, o partido não poderá
levá-lo para casa, excluindo do benefício as milhares de famílias que o
recebem. É do povo brasileiro e dos contribuintes que o sustentam. Depois,
é preciso deixar claro que o programa não foi lançado exclusivamente por causa da
preocupação histórica da legenda com os problemas sociais brasileiros. Como bem
observou em seu livro sobre o lulismo o cientista político André Singer,
petista histórico, que, caso raro, não permitiu que a passagem pelo cargo de
porta-voz do governo Lula nem a militância aguerrida afetassem sua honestidade
intelectual, o então presidente lançou mão do fortalecimento do programa numa
jogada política que visou fortalecê-lo no eleitorado mais pobre do país no
momento em que perdeu o apoio da classe média em decorrência do escândalo do
mensalão. Combinando a expansão do Bolsa Família com o aumento real do
salário mínimo, Lula executaria seu sonho de realinhamento político no país
baseado na atração, para as bases do petismo, do contingente gigantesco de
miseráveis nordestinos alinhados ou submetidos historicamente à direita,
representada especialmente pelo PFL, consolidando aí o que Singer classificou
de lulismo. Se foi competente o suficiente para utilizar o programa em seu
próprio benefício, por meio do seu então presidente, o PT não pode, por este
motivo, se arvorar de proprietário do programa, cuja importância, como meio de
inclusão social, não está absolutamente mais em discussão. Raul Monteiro
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