Como "Estranho Sociológico", isto é, aculturado e vivendo
em outro "habitat" eu tinha a observação e a sensibilidade mais
fáceis do que os aqui residentes, registrando alguns indicadores de maior
evidência de fuga de expectativa, da Região que me acolhia. Com certeza, apesar
de se situar no Nordeste, a Região Cacaueira da Bahia tinha todos os
requisitos, que a diferenciasse pra melhor. Seja por que a Natureza (ou Deus)
foi mais pródiga ou dadivosa em recursos para com ela, se comparada ao Sertão
baiano ou aos Estados ao norte da Bahia. A transcrição desse artigo de 1973
conserva as palavras no seu original, permitindo, hoje, ao leitor, comparação
desses 40 anos, observando o que mudou, e se mudou pra melhor ou se a previsão
pessimista de então se confirmou ou não.
“Enquanto censuras o garçon, que derramou vinho no teu sapato; lembro-me
daqueles infelizes, que fuçam restos disputando aos cães a tua parte.Revolvem o
lixo, como ratos e dormem felizes seu repasto” (Telmo Padilha).
Quando, no ano de 1973, criamos a frase "Pobre região rica",
mais do que uma expressão de efeito buscávamos uma síntese da realidade
socioeconômica de uma Microrregião Homogênea do Sul da Bahia, dependente da
produção e da política do cacau.Imigrante, vindo do Sul de Minas Gerais e um
tanto viajado, assustavam-me os contrastes existentes no interior da
Microrregião Cacaueira, o "filé mignon" do Nordeste, como a
apelidara.
Àquela época não imaginávamos que a expressão "Pobre Região
Rica" seria incorporada ao linguajar do cotidiano da Região e,
principalmente, lembrada em épocas de eleições e de crise. A Microrregião
Cacaueira é: RICA, POR QUE TEM RELATIVA
ABUNDÂNCIA DE RECURSOS NATURAIS: MATAS, MINERAIS E RIOS. Pobre, por que
esses recursos são mal-aproveitados. A irracionalidade do desmatamento é um
crime contra a ecologia; os rios desperdiçam seu potencial piscoso e de
energia; os minerais continuam debaixo da terra. RICA, POR QUE O CACAU COMO TERCEIRO OU QUARTO PRODUTO AGRÍCOLA DE
EXPORTAÇÃO RENDE, ANUALMENTE, EM TORNO DE 700 MILHÕES DE DÓLARES AO PAÍS SENDO
IMPORTANTE A QUOTA DE I.C.M. E FUNRURAL DELE RETIRADA. Pobre, por que quase
toda essa riqueza sai da região num processo de sangria contínua, alimentando
pólos industriais e a capital do Estado restando pouco a retornar à lavoura, às
cidades e à maioria de sua população. RICA,
POR QUE NELA NASCERAM MUITOS ARTISTAS, POETAS E ROMANCISTAS, ALGUNS DE FAMA
INTERNACIONAL. Pobre, por que a pintura, a poesia e o canto, muitas vezes
desengajados, desses homens, não chegam a despertar os homens responsáveis para
a repartição da altamente concentrada e injusta riqueza. Nem para os 62% de
analfabetos. Pelo contrário, eles emitem líricas mensagens de conteúdo cor-de-rosa.
Mascarando a cinzenta realidade, impedindo a formação de uma consciência
regional e uma cultura solidária. RICA,
POR QUE CRIOU A UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ. Pobre, por que oficialmente não
é reconhecida como tal e seus recursos dão pouca opção, não impedindo que
filhos da Região sigam para realizar cursos técnico-cientificos em Salvador.
Esses jovens são acompanhados de seus familiares e de grande parte da renda
aqui gerada. RICA, POR QUE SÓ A
MICRORREGIÃO CACAUEIRA TEM QUASE UM MILHÃO DE HABITANTES. Pobre, por que
essa população raramente elege deputados, e estes, quando eleitos, quase nada
fazem pela região. Ademais, quando são escolhidos os secretários de Estado e os
técnicos, políticos e cidadãos da região do cacau não são convocados. RICA, POR QUE TEM ORGANIZAÇÕES DA ESTIRPE
DE UM CCPC, CEPLAC, COOGRAP, ICB, SUDHEVEA, CUIDANDO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÍCOLA. Pobre, por que o esforço dessas instituições não é suficiente
para eliminar da Região as características de subdesenvolvimento. RICA, POR QUE TEM O VERDE O ANO TODO. Pobre,
por que quinze dias sem chuva significa seca. E o verde ou é destruído ou não
chega às cidades. Aí não cria abrigo do sol, da poeira; não embeleza a paisagem
tornando menos agressivas nossas Urbis. RICA,
POR QUE SEU VASTO TERRITÓRIO PERMITE O CULTIVO DE PRODUTOS DE SUBSISTÊNCIA,
OUTRORA CONVIVENDO COM O CACAU. Pobre, por que o que a população consome,
aqui não é produzido, e o que aqui é produzido a população não consome. RICA, POR QUE AS CIDADES SÃO CORTADAS PELOS
RIOS QUE SE APRESENTAM COMO O GRANDE AMIGO DAS CAMADAS MARGINALIZADAS: DÃO-LHES
O BANHO, LAVAM-LHES A ROUPA, SOBRETUDO ALIMENTAM-LHES. Pobre, por que suas
cidades beira-rio não têm um plano contra enchentes e, em determinadas épocas,
esses rios tornam-se inimigos: alagam as ruas e trazem o tifo; desabrigam
famílias e matam pessoas; arrastam criações e arrasam plantações, servem de
depósito de lixos, poluídos. RITA, POR
QUE O MAR, AS PRAIAS, OS FRUTOS TROPICAIS, A ABERTURA E A ALEGRIA NATURAL DE
SUA GENTE, O EXÓTICO MANEJO DAS TAREFAS DO CACAU, DÃO À REGIÃO ATRIBUTOS DE BOA
PRA TURISMO. Pobre, por que os turistas voltam falando mal: do custo de
vida e dos furtos; do lixo nas ruas e do esgoto nas praias; da falta de
infra-estrutura e do despreparo dos encarregados, onde a ausência de uma
secretaria específica dá provas de que a Região se perpetua como boa pra
turismo. RICA, POR QUE 52% DE NOSSA
POPULAÇÃO É JOVEM, DE MENOS DE 20 ANOS, RECURSO HUMANO QUE AS REGIÕES DESENVOLVIDAS,
ENVELHECIDAS, NÃO POSSUEM. Pobre, por que esses jovens não têm perspectivas
de um razoável emprego, de um amanhã melhor que o da geração de seus pais,
estando a um passo de um comportamento desviante. RICA, POR QUE CONCENTRA QUASE 400 MÉDICOS E POSSUI APARELHADOS
HOSPITAIS. Pobre, por que não tem hospitais ou eles estão fechados no seu
interior e assiste à morte de cinco crianças por dia, em média, com menos de um
ano de idade, somente em Itabuna.
Nos anos 70 esperávamos e torcíamos por uma "Rica Região
Rica". Bastava que se minimizassem as contradições e as distâncias, pois a
economia regional enriquecera. Nessa época, o bolo crescera (1977/78/79), mas
não foi dividido na forma de melhoria da qualidade de vida para os habitantes
regionais. Dependente do mercado externo a "Pobre Região Rica" está
ameaçada de transformar-se em uma "Pobre Região Pobre". Contudo, não
desejamos, com esta cinzenta previsão, transformar-nos em profeta da
catástrofe. A situação não chega a tanto, mas exige novas idéias e novos rumos
numa visão prospectiva. (Selem Rachid Asmar é doutor em Sociologia pela Universidade de Paris e
Diretor–Presidente da Selem Sondagem de Opinião).
Nos últimos 25 anos, nossa região não tem tido muita sorte com os políticos e governantes que tem.
ResponderExcluirA realidade nas cidades, é de prefeitura pobre e prefeitos ricos.
O governo do Estado riscou o sul da Bahia do mapa da Bahia e o crime adotou a maioria dos nossos jovens.
Não existe nada de positivo em áreas importantes como saúde, educação e segurança.
Estamos entregues à própria sorte! Ou seja, estamos num mato sem cachorro...
Nivaldo Dantas
Grande sociólogo Selem Rachid Asmar: sempre relatando o que o povo necessita saber!
ResponderExcluirParabéns por esta sua maneira fácil de expressar o que tentam empurrar para debaixo do tapete em gabinetes dos nosso desalmados governantes. Bruno Conrado de rreitas
JÁ FOMOS RICOS E ATÉ MANTÍNHAMOS A SUSTENTABILIDADE DO RESTO DA BAHIA. ATUALMENTE SOMOS APENAS RESTOS DO QUE COMEM E BEBEM EM SALVADOR CAMAÇARI - A BAHIA, LAMENTAVELMENTE, PARA O GOVERNO DO ESTADO, SE RESTRINGE A ESTAS DUAS CIDADES.
ResponderExcluirTADEU DURVAL DE SOUZA
Texto lúcido, merecedor de uma placa de bronze exposta em plena praça pública.
ResponderExcluirEdmilson Nogueira
Eis aí um dos homens mais inteligentes da Bahia.
ResponderExcluirTudo o que ele fala, é fato consumado!
Pena que não tenhamos mais Rachid em nossa pobrérrima região cacaueira.
Juscelino Ribeiro
Leio tudo o que tem sido escrito pelo nobre professor Selem Rachid Asmar e não faço isso a toa.
ResponderExcluirNão o leria caso não tivesse a convicção do quanto é verdade e esclarecedor tudo o que ele escreve.
Edvaldo Nunes de Oliveira
Professor