Galego deveria ter uns 40 anos de idade, um pouco mais ou um pouco menos, todavia, o tempo de cachaça era o mesmo, pois começou beber a branquinha no ventre de sua mãe, de acordo o bebum, a velha também gostava duma caninha desde moça e não se tornou abstêmia quando de sua gravidez, naquela madrugada há 4 décadas passadas quando lhe deu à luz, a parteira encheu a moringa de murcha-venta de sua mãe para que ele não demorasse de nascer, cesariana era luxo de grávida rica, pobre tinha que ser no cru e no cru Galego veio ao mundo. Ele possuía consciência cidadã, reclamava dos poderes públicos, tinha consciência de sua miséria, era um bebum diferente dos demais, que noite e dia, dia e noite, inundam a feira-livre da cidade de Tupiara e sua praça do “Ó”, dormem embaixo de marquises de lojas circunvizinhas, enrolados em trapos velhos, papelões e colchonetes sujos e nojentos. Os gogorobas se confundem com os seus andrajos, não se sabe quem fede mais, eles ou os seus trapos, restos de gente, farrapos de gente... Apresentava-se de maneira correta consigo e com o interlocutor:
-João Alberto da Silva, vulgo Galego!... – completava:
-Vossa Senhoria chama-se?... – quando peitava uma
autoridade:
-Vossa Excelência é responsável pelo aumento desses
miseráveis!... – a autoridade protestava:
-Quê é isso?... Estou no cargo há menos dum ano, eu
não sou responsável por suas desditas! – Galego justificava:
-Eu sei Excelência, mas os políticos prometem fundos e
mundos aos pobres antes da eleição, depois de eleitos, enchem os ricos de
fundos e mundos!... – os assessores e
bajuladores, de pronto, intercediam para que a conversa não se azedasse e
arrastavam ”Sua Excelência” para longe dali.
Galego fez-se a voz dos miseráveis, a autoridade sem
mando, o advogado sem causa e mandato, mais fanfarrão do que ouvido, o rei da
bazófia e do alarde, o bobo metido a sabido, o São João Batista que clamava no
deserto!... De dia, perambulava pelas ruas de Tupiara, à noite, escondia-se em
algum lugar, decerto, preocupado com gente perversa que se esconde no manto da
escuridão para o gozo de suas maldades. Alguns colegas de copo juravam que ele
possuía filhos, mulher e casa, as mentes mais fantasiosas acrescentavam que
Galego não era pobre, mulher e filhos cuidavam dos seus níqueis!... Certeza não
se tinha e não existe prova da fortuna do pé-de-cana, é comum ao homem simples
fazer da desgraça do outro apologia, como se faz do limão uma limonada, porém,
uma coisa não se podia negar: Galego era diferente dos outros bêbados nas
atitudes e na sutileza de raciocínio. Costumava poetizar o seu vício:
“Bebeu a princesa Isabel, bebeu o imperador, bebe o
soldado, bebe o cabo e o major, bebe o pobre, bebe o remediado e o rico, bebo
eu, que não sou rei nem militar!... O Senhor deixou a mandioca, a uva, a
cana... o homem fez vinho, vodka, whisky... o Francês bebe vinho, o mexicano
bebe tequila, o americano bebe whisky, cerveja bebe o alemão. Bebe o meirinho,
o advogado, o juiz e o promotor, bebe o bispo, o padre, o franciscano e o
sacristão, bebo eu, que não sou direito nem santo, sou pecador! Bebe o
ministro, o deputado, o vereador e o senador, bebe o cientista, o enfermeiro, a
médica e o doutor, bebo eu, bebe todo mundo, também, o presidente!...”
Naquela manhã, alguém lhe encontrou pra baixo,
sorumbático, triste e esquecido do mundo:
-Eh, eh, eh, homem! Tristeza não paga dívida e do
mundo nada se leva!... O quê houve?... – Galego não estava num dos seus dias:
-Eu não sou homem, sou um rato!!!
-Quê rato, homem!?
Deixe de maluquice!!! Nunca lhe vi assim!
-Desculpe-me amigo, estou deprimido, mas nós não
passamos de ratos!
-Nós, Galego!? Eu sou homem!!! – espinhou-se...
-Não se agaste rapaz! Para mim não existe retorno,
sinto que estou mais prá lá do que pra cá, por isto, peço-lhe que deixe a mim e
a minha desgraça a sós! – o rapaz insiste:
- Primeiro, explique essa história que somos ratos!...
- Rapaz, eu acho que somos piores do que ratos. O rato
serve de cobaia à ciência, é um animal arguto, inteligente, vive em comunidade,
em família, anda limpo, escovado, inspira filme, desenho e, o gato de Esopo não
lhe colocou guizo no pescoço... Nós somos sujos, fedorentos, à margem da
sociedade, relegados pela família, bobo da coorte!... Nós... nós... nós somos piores do que os ratos. Eu não sou
homem... Eu sou pior do que um rato!!! – não esperou contraditório, deu-lhe as
costas e foi embora.
Dias depois, morreu embaixo duma barraca de feira,
encolhido, enregelado, desprezado da família e de todos, João Alberto da Silva,
vulgo Galego, não, morreu o rato, não de novo, morreu sim, o homem-rato!...(Rilvan Batista de Santana - saber-literario.blogspot.com.br).
Acesso sempre o blog do Rilvan e adoro seus textos.
ResponderExcluirWashington Reis
A princípio imaginei que esta postagem estivesse se referindo ao deputado Geraldo Simões, ou ao vereador Ruy Porquinho... então me interessei em lê-la. Entretanto, não me senti frustrado com o fato do conteúdo não revelar o que eu queria ler, mas acabei chegando a conclusão que valeu a pena observar a facilidade como o seu autor maneja as palavras e conduz seu raciocínio... tudo perfeito, leitura indispensável!
ResponderExcluirNão é a toa que estou viciado em acessar este teu blog.
ResponderExcluirSão matérias desta natureza e a diversidade de informações, que me fazem estar diariamente lendo teu blog.
Parabenizo a vc por isto.
Miranda de Freitas