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16 de setembro de 2012

Sobre política, eleitores e intolerância religiosa

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Na manhã deste domingo, dia 16 de setembro de 2012, a eleição majoritária em Itabuna entrou num viés demasiadamente perigoso.

No Centro da cidade, o município amanheceu completamente tomado por panfletos, através dos quais o povo grapiúna é conclamado a não votar  no candidato Claudevane Moreira Leite (PRB) pelo motivo de o mesmo ter tido, no passado, algum tipo de contato com alguém que, segundo a mensagem, teria relação direta com o Candomblé.

Não se pretende aqui de forma alguma entrar no mérito da questão sobre o que é certo ou errado, mesmo porque, nefastamente, corre-se o risco de promover uma discussão sobre o sexo dos anjos. Não é essa a proposta. Não se pretende promover um debate em que cada um tenha a sua opinião, cada um coloque o seu ponto de vista, mas ninguém  consiga sair da leitura deste texto do mesmo jeito que entrou.

Sob o olhar da jurisprudência, e perdoem-me os juristas, pois não se tem aqui a propriedade necessária para lidar com essa que é uma das ciências mais bonitas, pede-se, pois, uma licença especial para colocar um olhar prático sobre as várias noances que este panfleto apresenta.

Quando um indivíduo comete um crime e, dentro da investigação, uma das partes (promotoria ou defesa) utiliza-se de uma prova material para defender suas teses, o pré-requisito principal para que o juiz aceite essa prova é se a mesma foi produzida sob os preceitos legais em vigor.

Caso a prova não tenha sido autorizada pela Justiça, ela pode até ser incontestável do ponto de vista de quem a utiliza, pode ser sumariamente conclusiva, mas o juiz, percebendo que houve algum tipo de ilegalidade, a descarta. Em se tratando de um julgamento, logo após a apresentação da mesma e perdurando-se a natureza ilegal, pede-se ao advogado que a apresentou que aponte em qual parte dos autos aquela matéria é citada. Em não havendo a exata comprovação sobre as normas jurisprudenciais amealhadas, o juiz solicita ao júri que desconsidere completamente a apresentação daquele material.

Contudo, em se tratando de um processo eleitoral, processo esse em que o júri é o povo e a vítima não é de fato e de direito uma pessoa, e sim, uma religião, é quase impossível pedir ao povo que desconsidere por completo esse ou aquele panfleto.

Contudo, nota-se, pois, o objetivo maior do presente texto: pedir às pessoas que entendam, de uma vez por todas, que ninguém é obrigado a adotar esta ou aquela religião, mas todo mundo tem a obrigação de respeitar todas as religiões.

No nefasto panfleto jogado nas ruas de Itabuna, as pessoas são convidadas a refletirem sobre uma personalidade política da cidade, ao mesmo tempo em que se provoca uma agressão violenta contra os adeptos do Candomblé.

É necessário, então, compreender que ser adepto do Candomblé não é crime. Assim como ser católico também não. Ser evangélico também não. Ser espírita cardecista também não.

Aliás, é necessário dizer que há uma agressão violenta contra aqueles que são adeptos do Candomblé, mas a mensagem atinge também os evangélicos e os católicos de forma indireta, uma vez que o texto questiona a fé do candidato Claudevane Leite, e a imagem utilizada para ilustrar o material traz Claudevane segurando uma Bíblia cuja capa tem a inscrição "Santa Bíblia".

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Para aqueles que são detalhistas, basta lembrar que a expressão "Santa" é muito usual entre os católicos. Portanto, de maneira subjetiva, o criador desse material atinge muitos religiosos.

Ratifica-se, portanto, o desejo maior de pedir ao povo de Itabuna que desconsidere esse material, produzido de forma covarde sob a sombra do anonimato e que só serve para aumentar ainda mais o preconceito e a intolerância.

Para que não restem dúvidas que esse material não foi produzido por nenhum dos grupos que tenta chegar ao Centro Administrativo Firmino Alves, seria muito interessante que os líderes desses grupos (Herzem Costa, José Nilton Azevedo, José Roberto da Silva, Juçara Feitosa, Pedro Eliodório de Oliveira e, inclusive, o próprio Claudevane Leite) viessem a público e falassem ipse littere que  não são responsáveis pela confecção desse panfleto.

O Candomblé é uma religião de matriz africana, como tantas outras correntes originam-se na mesma matriz. Não é motivo de vergonha para ninguém. Não pode ser utilizado como se sua prática fosse criminosa, assim como ninguém deve deixar de ser eleito porque adota esta ou aquela religião.

Por isso, é importante perceber o quanto a distribuição deste material é perigosa para o município. Essa atitude contribui tão somente para reforçar a forma grosseira com que o Candomblé é percebido fora dos guetos onde é praticado. A prática do Candomblé faz parte dos elementos identitários da cultura baiana. Uma das apresentações mais singelas e mais respeitadas da Bahia é a passagem dos "Filhos de Ghandi" no Carnaval de Salvador.

Do ponto de vista jurídico, a distribuição do material cuja mensagem diz que Claudevane Leite não pode ser eleito porque teria uma suposta associação com um candomblecista é crime de perjúrio, indução ao preconceito e à intolerância religiosa.

De forma muito tranquila e respeitosa, o candidato do PRB tem evitado responder às agressões e vem conduzindo sua campanha de forma exemplar, apresentando propostas para a cidade de Itabuna.

Contudo, não se pode perder de vista que esse panfleto pode ter sido produzido pelo próprio grupo representado por Claudevane Leite, justamente para provocar no povo de Itabuna um sentimento natural de revolta, asco e enojamento que alimentasse um pseudo desejo de elegê-lo.

Se não o fez, não autorizou, que venha a público, então, e registre que essa eleição não foi esboçada para discutir religião, e sim, política e modelos de gestão municipal. Não se pode esquecer: enveredar uma campanha política no espalhamento de falsas ideias sobre religião, é crime. O que os autores e financiadores deste material fizeram é passível de responsabilidades.

Num momento como esse, seria muito bom que o sistema de circuito interno de vídeo do Centro da cidade estivesse funcionando a todo vapor, para que o flagrante de delito fosse devidamente registrado e os verdadeiros responsáveis fossem punidos.

E de uma vez por todas:  ninguém tem o direito de espalhar a ideia de que uma religião é melhor do que a outra. Porém, todos devem respeitar todas as religiões e até mesmo a 'não religião'. Que o povo de Itabuna seja inteligente e faça descer pelo esgoto a podridão que assolou a História Política de nossa cidade após o registro deste triste episódio.

* Eric Thadeu Nascimento Souza é blogueiro, comunicólogo, cidadão, católico, eleitor, funcionário público e educador. 

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