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9 de maio de 2011

BAHIA TEM MAIS DE 2 MILHÕES DE POBRES EXTREMOS

Em pleno final de tarde de uma sexta-feira, o Rio Vermelho pulsa. Trabalhadores seguem para os pontos de ônibus, sinaleiras cadenciam a pressa dos motoristas e boêmios inauguram a noite. Nesse burburinho, um homem quase invisível desafia o mundo ao viver na Praia da Paciência como na Idade da Pedra. Esquálido, faminto e vestindo apenas um short esfarrapado, ele tenta transformar o lixo em fogo. Após a tarefa, o homem recolhe os parcos pertences - três peças de roupa e dois saquinhos plásticos com algumas moedas - e rasteja para dentro de um pequeno buraco, uma espécie de caverna, a cerca de um metro do chão. O buraco fica nas rochas do morro ao lado da praia, o mesmo do restaurante Sukiyaki. A invisibilidade de Francisco de Souza, 35 anos, virou número no dia 3 de maio. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia é o estado com maior número de pessoas que vivem em extrema pobreza. São 2.407.990 miseráveis - 17,4% da população. No país, eles somam 16.267.197 milhões. O critério para estar em extrema pobreza é ter renda mensal igual ou menor que R$ 70. Francisco não sabe quanto ganha. Durante o dia, recolhe lixo e vende a cooperativas de reciclagem. O patrimônio cabe em sua caverna e divide espaço com lagartas e caranguejos. Quando sai, leva tudo para não ser roubado. Mas, em meio à miséria absoluta, o seu desejo maior é tirar documentos. “Quero tirar identidade e ter paz. Tem muita maldade neste mundo e aqui tem muito bandido”, diz. Semianalfabeto, há um ano ele deixou a casa da família, no Vale da Muriçoca, devido a brigas por causa do consumo de álcool. Sua nova “casa” fica em frente a uma das duas saídas do esgoto que desemboca no local. VIZINHANÇA - “Aqui é cheio de sacizeiro. Eles me espancaram duas vezes e roubaram minhas moedas”, lembrou. Ele carrega no corpo a marca de uma pedrada, ao lado do olho direito, e a cicatriz de uma facada na barriga. Francisco tem uma vizinha, uma mulher que vive sozinha em outro buraco do morro. Às 14 horas de sexta-feira, ela tomava banho nua nas águas do esgoto que corre no local. A privacidade se resume a um matagal de cerca de dois metros de altura que cerca o espaço. A mulher se recusou a conversar com a equipe do CORREIO. Na avenida Jequitaia, Cidade Baixa, Jony Amaral, 28 anos, virou uma espécie de síndico do conjunto de quatro barracos erguidos sob o chamado Viaduto de Jesus, ao lado do Mercado do Peixe. Entre moscas, ratos e 26 cachorros, vivem 16 pessoas. Duas são crianças - um menino de 1 ano e uma garota de 4 anos. O vício em crack fez Jony deixar a casa da mãe, na Liberdade, há nove anos. Sob o viaduto, ele e a mulher, Janete Jesus, 41 anos, improvisaram uma sala com sofá, mesa, armário e cadeiras, doados ou achados na rua. Os móveis servem também para os amigos. “É meu e deles. Para os novos, dou cobertor”, conta. Jony também é engenheiro. Com madeirites, construiu um “banheiro” com cerca de um metro quadrado e cavou um buraco na terra. Até um repelente o inventor criou. Quando mosquitos começam a incomodar, Jony queima embalagens de ovos. “É o nosso inseticida”, brinca. CONTRIBUIÇÃO - O mesmo material serve para acender a fogueira. No Viaduto de Jesus, quem reparte o pão é Jony. A única regra para comer é contribuir de alguma forma. “Pode ser R$ 0,50 ou um pouquinho de farinha”, afirmou. Jony lava carros e carrega produtos no Mercado do Peixe. Não sabe quanto ganha. Carismático e dono de uma lábia afiada, ele usou a simpatia para conquistar Janete. Há quatro meses, ela deixou seu barraco em Porto de Sauipe, Litoral Norte, para viver com Jony. “Conheci por uma amiga e me apaixonei”, revela. Um dos momentos mais marcantes da vida de Jony sob o viaduto foi quando salvou o amigo Altair Leal, 37 anos, que também mora no local. TENSÃO - Há cerca de dois meses, Altair dormia bêbado na beira da Avenida Jequitaia. Quando Jony acordou, viu quatro jovens jogando gasolina sobre o amigo. “Uns moleques iam tocar fogo nele. Gritei e corri, mas não peguei eles”, contou. Altair, que só anda com auxílio de muletas e não consegue trabalhar, tem somente um cobertor e quatro peças de roupa. “O álcool acabou comigo. É Jony que me ajuda”, desabafou. Na peleja diária pela sobrevivência, o síndico Jony e seus fiéis escudeiros tentam impedir que o Viaduto de Jesus se transforme em um inferno. POBRES QUE ESCAPAM DOS NÚMEROS - Todos os dias, o pernambucano Josemário da Silva, 33 anos, acorda às 4 horas. Toma um café preto, come um pedaço de pão com manteiga e sai de seu barraco em Capelão, Lauro de Freitas, na Região Metropolitana, para garimpar a sobrevivência no lixão de Quingoma. A labuta de viver do que os outros descartaram se estende até as 18h e rende R$ 400. O dinheiro precisa atender às necessidades da mulher e dos três filhos. “Não posso reclamar, porque é do lixo que tiro sustento há quatro anos”, diz. Dividindo a renda por cinco pessoas, os membros da família de Josemário escapam, por R$ 10, do critério de extrema pobreza do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso, porém, não os salva dos mesmos problemas que atingem os miseráveis. Vizinha de Josemário, a desempregada Sandra dos Santos, 22 anos, mora em um barraco de madeirite com três filhos e o marido, que ganha um salário mínimo trabalhando como gari. O barraco se amontoa a outros 20 e não tem água encanada nem esgoto. O chão é de terra. “A gente sofre muito. Quando chove, encharca tudo. Minha filha tá botando verme pela boca”, conta Sandra. DEPOIS DO VÍCIO, A RUA - Deitado em um colchão sob o Viaduto de Jesus, Altair Leal, 35 anos, entrega a Deus o seu destino. Alcoólatra, ele enfrenta problemas de saúde que o impedem de andar e trabalhar. “Só resta chamar por Deus e ver o que ele pode fazer por mim”, desabafa. Os problemas com as drogas, principalmente com o álcool e o crack, são comuns nas histórias de muitos moradores de rua. Altair começou a beber e fumar maconha aos 13 anos, quando trabalhava com o pai na Feira de São Joaquim, em Água de Meninos. Desde que foi para a rua, há nove anos, foi internado nove vezes por problemas provocados pelo alcoolismo. “A cachaça comeu meu corpo. Antes, eu era bonito, andava asseado, arrumado”, lamentou. Jony foi morar na rua devido ao vício do crack. Depois de se internar duas vezes, em 2005 e 2008, em um centro de reabilitação em Camaçari, ele disse que só teve duas recaídas. Ele relutou em ir ao centro, ligado a uma igreja evangélica. Lá, teve orientação psicológica e apoio religioso para deixar o vício. Na Rua São Francisco, no Pelourinho, o Movimento Nacional da População de Rua, em Salvador, orienta pessoas em extrema pobreza. Eles encaminham para instituições de tratamento. FAMÍLIA IMPROVISA CASA EM PIATÃ - Cátia Soares mora na rua desde os 8 anos. Hoje, com 42, casada e mãe de cinco filho, ela divide duas barracas de camping com a família na praia de Piatã. A mãe fugiu do marido, padrasto de Cátia, que a agredia, e acabou deixando a filha para trás. Ela então foi morar nos Mares, depois no Centro. “Na rua, aprendi a ser honesta e conquistar minhas coisas, mas também aprendi a brocar os outros para me defender”, disse. O marido, Jonas Conceição, 43 anos, com quem é casada há oito, trabalha todos os dias, das 7 às 17 horas, catando material reciclável para vender a cooperativas. Ele consegue cerca de R$ 60 por mês para sustentar a família. “Tudo que a gente ganha vai para alimentar os filhos”, afirmou. Para não deixar os filhos sozinhos, Cátia não pode trabalhar. Tudo que a família tem foi doado, exceto as barracas, que foram compradas. A maior preocupação de Cátia é com o futuro dos filhos. “O que mais dói é não poder dar uma casa a eles. Queria que a vida deles fosse diferente”. (Bruno Villa Redação CORREIO).

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