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Câmara

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5 de janeiro de 2011

VALE DE LÁGRIMAS

Preguiçosamente, após os festejos da virada de ano, sentado no sofá da minha sala, assistindo o Telejornal da Vênus Platinada, em um dos intervalos, fui surpreendido por uma propaganda institucional de uma das maiores empresas do mundo, a "politicamente correta" Vale. Foram tantos números, tantos dados, tantas maravilhas, que eu fiquei até com vontade de trocar a minha estabilidade em um emprego público, que conquistei via Concurso, por um emprego em uma empresa daquelas. Mas logo os lampejos da minha preguiça refastelante deram lugar ao meu espírito militante de uma Pessoa com Deficiência que sabe, infelizmente, que ainda não vivemos em uma sociedade para todos. Ao refletir sobre os poucos dados que registrei em minha vagalúmica memória de início de ano, fiquei pensando em quantas Pessoas com Deficiências trabalham ali. Sim, por que a propaganda disse que a Vale criou 32 mil empregos novos. A pergunta que não quer calar: quantas vagas teriam sido ocupadas por Pessoas com Deficiências? Nessas horas, apelo para a boa e velha matemática: a Legislação brasileira, mais precisamente na Lei Federal 8213/91, prevê a obrigação das empresas que possuem mais de mil funcionários, e eles dizem que só na nova fase criaram mais de 32 mil, ter que contratar 5% de funcionários com algum tipo de deficiência. Fazendo uma continha rápida, chegamos ao resultado de 1600 (mil e seiscentos) novos postos de trabalho que deveriam ter sido ocupados por Pessoas com algum tipo de deficiência. Isso se considerarmos os novos 32 mil empregos. Outra pergunta que não quer calar: "Será"? Quantos postos de trabalho essa gigantesca empresa possui? Quantas Pessoas com Deficiências trabalham lá? O que me chama a atenção é que, por nossa experiência de militante na defesa dos direitos das Pessoas com Deficiências, nossos contatos com os diversos Ministérios Públicos Estaduais e o Federal, além dos órgãos fiscalizadores das políticas de trabalho e emprego, nos mostra que essas empresas grandes, ao se depararem com a obrigação legal de empregar Pessoas com Deficiências, se fatiam, se esquartejam, se mutilam e se apresentam em picadinhos para dizer que a cota deve ser cumprida por cada unidade organizacional. Aí vem os benditos "Termos de Ajuste de Conduta", adiam suas multas, "o tempo passa, o tempo voa e o empresário continua numa boa"!As benditas condutas nunca se ajustam a esta parcela populacional que continua sem proteção legal de fato. Voltando à mineradora, me pego pensando se não foi por causa do parco espaço de tempo na televisão que a Vale resolveu juntar todos os novos postos de trabalho em uma única razão social. Ou será que nossas autoridades fiscalizadoras das Leis de cotas gostam de ser enganadas? Eu, particularmente, prefiro acreditar na primeira hipótese, afinal, uma empresa tão grande quanto a mineradora em tela não poderia esmiuçar suas contratações por Unidade Organizacional em 3 minutos de propaganda em horário nobre. E como não sou advogado, não sei se este alardeamento em horário nobre se caracterizaria como prova para a empresa ser enquadrada nos dispositivos legais. Aí, talvez, os amigos Promotores do Ministério Público tenham razão em não poder cobrar. Outra coisa que despertou a minha distraída atenção foram os R$ 43 bilhões em investimentos propagandeados. Se usarmos o mesmo percentual da Lei de cotas, os tais 5%, poderíamos quase igualar os R$ 2,4 bilhões previstos no PAC da Inclusão do Governo Federal. Ou seja, só esta empresa poderia patrocinar todas as Políticas Públicas Governamentais para Pessoas com Deficiências. É muito dinheiro e muito Poder! E ainda tem gente que apresenta propostas de flexibilizar a Lei 8213/91, usar aprendizes com deficiências para cumprir a cota, sugerir incentivos para os empresários se sensibilizarem, sem perceber que o pano de fundo de não aceitar as Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho é o preconceito. Cumpre lembrar: o contrário de eficiência não é deficiência, é ineficiência. Pensando nessas coisas, chego à conclusão que eu sou o enganado, que resignado, quase afogado em um vale de lágrimas, pego o controle da TV e mudo de canal. Depois o cego sou eu! (Marcio Aguiar é Deficiente Visual, Graduado em Fisioterapia e um intransigente na defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. São Paulo – Por Ângela Góes).

Um comentário:

  1. O Brasil deve facilitar mais a vida das pessoas com necessidades especiais. Luiz Cláudio Barreto

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