Há uma força que nos aproxima dos que se foram, e indica que a vida é, realmente, um sonho. Sinto-me, estranhamente, mais próximo de Maristela Bouzas, agora que na sua breve e valiosa existência se concretizou essa violência de que somos culpados, e fingimos que nunca nos atingirá. Parece que sou seu amigo, mesmo não a tendo conhecido. Olho a sua foto e tento adivinhar quem será a próxima vítima dessa doença social cujos efeitos poderiam ser muito menores, mas que é tolerada por nós, em nome de valores pequenos, como a omissão, a covardia, a desídia, o comodismo, a mesquinhez. É muito triste saber que nunca mais verei a sua assinatura no Caderno 2, e que a sua família e amigos sofrerão a eterna dor do seu desaparecimento. Olho novamente a sua foto e não consigo compreender o motivo de sermos tão cínicos diante da violência.Vejo ali o rosto de muitas outras vítimas anônimas do nosso cinismo, e imagino o mal que fazemos às mães. A cada fato brutal tentamos transformar a vítima em símbolo de uma luta contra a violência, mas em verdade apenas fingimos, como meio de dissimular a dor. Quanto isso serve à memória de quem nos deixou? Não estaríamos sendo cínicos quando não agimos concretamente, em lugar de proferir expressões hipócritas como “basta”, “chega de violência”, e coisas que tais? Não poderíamos poupar a memória da vítima desse nosso egoísmo? Sinceramente, não achamos que “basta”, e nem estamos “indignados com este estado de coisas”. Apenas nos manifestamos porque a oportunidade surgiu, em oposição ao nosso incômodo e perene silêncio. O que fez cada uma de nós contra a violência até hoje? Que colaboração demos à segurança pública, “dever do Estado e responsabilidade de todos”? Entendo que o basta que devemos dar não é à violência-resultado, essa que vemos nos jornais, nas ruas, em nossa casa, e que tira a vida e a tranqüilidade das pessoas. Também, em nome da vida e da urgência, não acho que devamos ampliar o cinismo e dizer que temos atacar a causa remota da violência. A sobrevivência urge por nossa participação no controle da criminalidade. O fato está posto: não temos segurança em nossa cidade, e precisamos, pelo menos, estar vivos, para pensar em acabar com o desemprego, a fome, a tragédia da educação, o abandono da infância. Talvez você nunca seja alvo dela, mas sempre vai sofrer, mesmo que pela morte de um estranho, e a culpa é sua. Quem nunca se omitiu na luta contra a violência? Quantos crimes ficam insolúveis por falta de uma informação, uma pista, um indício, que poderia sair de um telefonema anônimo, já que fingimos, como justificativa, que temos medo de que o acusado se volte contra nós? Quem nunca se recusou a ser testemunha de um fato, sem que houvesse qualquer razão para temer conseqüências, mas simplesmente porque culturalmente nos recusamos a isso? Não é difícil compreender que a maior causa da violência é a impunidade do criminoso. Os modelos internacionais provam que a certeza da condenação reduz a criminalidade. Como desvairados, no embate de idéias demagógicas trazido pela mídia, concordamos com a “tolerância zero” e com a aplicação de “penas alternativas”, cínico disfarce para a impunidade, e alcançamos o absurdo de, momentaneamente, defendermos a pena de morte. Concordamos com a segregação social do criminoso, com o seu encarceramento, e reconhecemos a cadeia é a escola do crime. Nada, no entanto, fazemos em favor da paz, a não ser, cinicamente, clamar por ela. Apenas dizemos que queremos a paz, mas não nos damos ao menos ao trabalho de pensar, esse hábito cansativo a que poucos se dedicam. Será que não é hora, em nome da vida, de enchermos o nosso pequeno bico com uma gota d’água, e caudalosamente despejá-la nesse incêndio que, se não nos torrar, ao menos nos chamuscará um dia? (Waldir Santos, candidato a deputado federal 4343 – Partido Verde).
É isso aí Waldir... concordo em gênero e grau com este seu pensamento.
ResponderExcluirParabéns.
Haroldo Pereira de Carvalho
Val Cabral
ResponderExcluirSomos culpaos sim...
por não sabermos, ou não querermos saber sobre os danos que são causados quano não assumimos nossas responsabilidades, inclusive para evitarmos que irresponsáveis sejam eleitos!!!! Kleber Barreto
Amigo Val Cabral
ResponderExcluirNão me considerao culpado por nada que não seja praticado por mim, ou através da minha omissão. Cada qual que pague por seus próprios erros e busco sempre estar de bem comigo e de acordo com o que preceitua minha consciência. Jorge Sales