Eram muitos os
cuidados que minha mãe tinha, durante a quaresma. Não podíamos ouvir música,
dizer palavrão, nem fazer bagunça. Ir a uma festa, nem pensar! Era um
desrespeito ao sofrimento por que passara o Senhor. Aos que bebiam, abster-se
do álcool durante os quarenta dias, era uma obrigação. Lembro que o início era
a quarta-feira de trevas. Às quartas e sextas-feiras não se podia comer carne.
Tinha de ser peixe. Lembro da Via Sacra, realizada uma vez por semana, às
sextas-feiras, durante a quaresma, quando se fazia caminhadas dentro da Igreja,
com paradas nos quadros que indicavam “as estações”. Alguém fazia a leitura:
“Jesus cai pela primeira vez”, “Verônica enxuga a face de Jesus” e se seguia
até que alcançássemos a última. Na quinta-feira santa tinha a “Missa do Lava
Pés” e a “Adoração ao Santíssimo”. O grupo de jovens da Igreja organizava uma
encenação em que o Padre lavava os pés de doze fiéis, simbolizando os
apóstolos. Na sexta-feira da paixão, o dia era de comer caruru. No sábado de
aleluia a diversão, após a missa, claro, era ver a queima do Judas. O boneco
ficava pendurado por horas até o momento de queimá-lo. Antes disso, era lido
seu testamento, fazendo rimas engraçadas, usando o nome dos moradores do nosso
bairro. Ninguém explicava as razões para tantos rituais religiosos mas, como
filhos obedientes, seguíamos as orientações dos nossos genitores. Tempos depois
entendi que a ideia era participarmos das angústias e dores de Jesus, para
também podermos participar da sua glória, quando da ressurreição. Evocar essas
memórias é reviver um tempo em que a inocência fazia de mim uma pessoa mais
crente, e menos questionadora.
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