Há muita gente acostumada
a dizer que “o povo não sabe votar”. O preconceito tem suas razões. O
mundo da política é, de fato, complexo: a maioria das pessoas não tem (nem os
próprios políticos) o domínio sobre todas as variáveis que estão em jogo. Não
tem conhecimento, nem informação. E mesmo que tivessem não haveria capacidade
de processamento. Há até quem defenda, lançando mão de estudos sobre cognição,
que o cérebro humano não foi feito para o mundo da política, pois se
desenvolveu numa época em que lhe eram exigidas habilidades muito mais simples.
Pode ser. No entanto, as pessoas fazem suas decisões no âmbito
político. De
que maneira? A primeira resposta é que fazem por meio de atalhos e sinais. É verdade que, a imensa maioria dos cidadãos é capaz de dedicar mais
tempo a entender as regras e os detalhes de um passatempo na sua vida privada, do
que se interessar pelo funcionamento da esfera pública. Mesmo
assim, como apontam alguns dos trabalhos mais conceituados desta linha de
pesquisa da ciência política, as pessoas encontram respostas satisfatórias para
suas dúvidas políticas. Fazem suas escolhas utilizando pistas que sintetizam e
resumem um emaranhado de informações. Na verdade, em boa parte dos casos, este
é o problema. Não há escassez de informações, mas excesso delas. Diariamente, as pessoas são expostas ao noticiário político, sobretudo
em épocas de campanha. Partidos são a forma mais tradicional de
atalho, pela qual os eleitores podem abreviar sua decisão e reduzir o que se
convencionou chamar de custos de informação. Uma
analogia que mostra como o cidadão pode fazer decisões razoáveis numa
democracia é a que compara o sistema político ao trânsito. Um
motorista, para evitar uma colisão enquanto dirige seu automóvel, não precisa
saber a velocidade, a massa de outros veículos que estão em circulação ou as
intenções de seus ocupantes. Basta seguir os semáforos e a sinalização. É claro
que o grau de respeito às regras de trânsito varia de lugar para lugar. No
entanto, mal ou bem, certos protocolos precisam estar em vigor para que a circulação
se dê, e as pessoas cheguem aonde querem sem desperdiçar tempo. Do mesmo modo,
a não ser que esteja totalmente perdida, num bairro ou numa cidade estranha,
uma pessoa não precisa a todo momento parar e perguntar para pedir informação. Quase sempre as pessoas sabem aonde querem chegar. E aonde as pessoas
querem chegar? O bem-estar próprio, o interesse respondem pela
maior parte das motivações nas decisões políticas. Até no altruísmo é possível
ver algo de instrumental. Mesmo que um rico vote numa plataforma que defenda os
interesses dos mais pobres, a aparente contradição pode ser interpretada como
uma forma de se chegar a um resultado (por exemplo, paz social, segurança,
respeito aos contratos) que lhe seja favorável. A velha história: perdem-se os
anéis e não os dedos. Como as pessoas utilizam atalhos e votam de acordo com
seus interesses, é de difícil sustentação a ideia de que o valor da democracia
enquanto regime é desafiado em virtude da ignorância dos cidadãos. O
povo sabe votar. Dizer o contrário, geralmente, é apenas uma maneira
ideologicamente camuflada de discordar da vitória dos interesses da maioria. Os
subterfúgios também servem para as consequências das decisões dos eleitos. O
povo tem a sabedoria da escolha e nem sempre seus eleitos possuem esta mesma
capacidade de discernir. São eleitos, diplomados e tomam posse, com decisões e nomeações
negligentes. Começam escolhendo assessores acéfalos e completamente
inabilitados para atenderem demandas do povo. O povo fez Vane prefeito, sem
saber antecipadamente, da inconveniência de que Vane faria de um delegado ruim,
um secretário ruim.
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