Nós, Cidadãos militantes do Movimento de Pessoas com Deficiência da Bahia, somos parte de vários outros Movimentos que, infelizmente, esquecem-se de nós. O Movimento Negro precisa conhecer e cuidar melhor dos negros com deficiência na Bahia;
Precisa conhecer o que é ser negro com albinismo;
Conhecer o que é ser mulher negra e cega;
Conhecer o que é ser cadeirante negro ou não, e andar em uma cadeira de rodas, disputando espaço com os veículos nas ruas onde não existem calçadas, e até mesmo, nas calçadas, onde elas existem para que os carros estacionem;
Precisaria sentir ao menos um dia o que é ser pessoa negra com deficiência, e sentir-se como se a deficiência fosse maior do que você a ponto de tirar-lhe tudo, os direitos, a dignidade, a sexualidade e até suas origens;
Precisa estar atento e não esquecer de exigir também dos governantes que seus avanços e conquistas alcancem, da mesma forma, o Movimento de Pessoas com Deficiência e sua respectiva maioria negra;
Precisa demonstrar interesse em saber que, na Bahia, o Movimento de pessoas com deficiência, na sua maioria negra e esquecida, vem sendo desrespeitado, tendo, inclusive, que assistir seu Conselho de garantia de direitos ser massacrado, para que não exerça seu papel sagrado de controle social, mostrando à sociedade esta face hipócrita e esta inércia perversa que prejudica a tanta gente, que, de tão prejudicada, muitas vezes morre sem sequer saber que é gente como toda gente. Precisa se espantar ao saber que o governo não nos escuta como escuta aos outros movimentos, e mantém alguém, que desconhece nossa realidade, a frente de nossa superintendência por capricho, ou quem sabe por achar que o movimento de pessoas com deficiência da Bahia não é digno sequer de se representar e impõe uma tutela a esse movimento, não admitindo sequer ouvi-lo nessas indicações. Da mesma forma, o Movimento de mulheres precisa conhecer como mulheres com deficiência e mães de pessoas com deficiência são tratadas na Bahia. Precisa ao menos imaginar a dor de uma mãe com deficiência, que no interior do estado, violência que ainda é a Bahia, não sabe o que fazer com seu filho doente nos braços, a não ser se humilhar na prefeitura implorando auxílio como se direito a atendimento não tivesse;
Precisa demonstrar interesse em saber quanto à discriminação sofrida por uma mulher cadeirante que, mesmo tendo o melhor curriculum entre todas as candidatas a uma coordenadoria, foi alijada do processo seletivo por ter sido a indicada pelo Movimento de Pessoas com Deficiência;
Precisa saber de que maneira uma Superintendência, conseguida às duras penas por este Movimento de Pessoas com Deficiência, em sua maioria, mulheres negras, foi violentada para atender interesses, que não os das Pessoas com Deficiência;
Esse movimento precisa se preocupar também com as mães de jovens autistas, que trocam a noite pelo dia, e de que forma essas mulheres conseguem trabalhar no outro dia;
Precisa demonstrar interesse em saber que esta Superintendência deveria empreender ações políticas no sentido de garantir direitos iguais as pessoas com deficiência, e mulheres mães de pessoas com deficiência residentes no interior do Estado. Mas que, absurdamente apenas cuida de uma política de gabinete fútil e improdutiva, que esconde da sociedade que tem pessoas vivendo como bichos em caixas de madeira jogadas pelos cantos da casa, enquanto quem deveria zelar pela execução das políticas que garantam os direitos dessas pessoas prioriza o desfile de simpatia em seminários apresentando fotos com políticos de BRASÍLIA como se isso mudasse a vida de alguma Pessoa com Deficiência que não a sua própria. Enquanto isso, nossas coordenadorias foram transformadas em duas assessorias técnicas, uma de Arquitetura e outra Jurídica, e em ambos os casos não atenderão as necessidades das pessoas com deficiência, deixando-as ao léu, enquanto esses dois técnicos indicados pela SJCDH para essas coordenadorias, servirão apenas para proteger esse próprio estado, por conta de ser ele, o estado, o principal sonegador dos direitos das Pessoas com Deficiência. Todos precisam ter consciência de que, por conta disso, milhares de Pessoas com Deficiência, homens, mulheres, idosos, crianças, negros na sua maioria residentes no interior do Estado, permanecerão na condição miserável de exclusão, até que a sociedade civil e o governo entendam que a questão das Pessoas com Deficiência não é exclusivamente delas mesmas. O movimento de direitos humanos precisa querer saber e apoiar as três moças cegas que em Itabuna tiveram a coragem de fazer um protesto dentro de um ônibus metropolitano, contra esse estado omisso que além de sonegar os direitos fundamentais das Pessoas com Deficiência do interior, ainda impedem o seu direito de ir e vir em busca desse direito em outros municípios, enquanto outros estados mais pobres já reconhecem sua incapacidade e garantem essa gratuidade como forma de compensação;
O movimento de defesa das crianças e dos adolescentes precisa saber que existe uma síndrome denominada síndrome de RETT, que só atinge meninas levando-as a morte depois de muito sofrimento, e que existe uma mulher negra mãe de uma dessas moças tocando sozinha uma instituição sem apoio algum. Enquanto isso, vários casos iguais aos dela devem existir por essa Bahia a fora sem que as mães recebam apoio, e sem que essas moças tenham seus sofrimentos pelo menos minimizados. Assim, nós, Pessoas com Deficiência, na grande maioria mulheres negras, e em sua minoria, idosas, já que boa parte de nós sequer tem direito de chegar a esta condição, muitas vezes morrendo mais cedo do que deveria por conta da deficiência do estado em atender igualmente a esse povo esquecido principalmente do interior. E chega a ser desumano achar que nós, Pessoas com Deficiência, além da nossa própria deficiência, e de carregar o peso da deficiência perversa do insensível estado, ainda temos que nos sentir excluídos dos outros segmentos dos quais naturalmente deveríamos fazer parte, e aos quais, tento provocar nesse momento. Não podemos empreender esta luta sozinhos, contra tantos interesses escusos, sem que haja a participação atenta de todos e uma tomada coletiva de consciência da transversalidade destas questões, e da omissão velada que há até então, por parte dos governantes e até de nós mesmos. Acredito que ninguém que tenha alguma consciência pode falar de gente sem se preocupar com as crianças que nascerão com deficiência;
Nas pessoas que estão com deficiência, e sem lembrar que aqueles que lutam por essa causa trabalham também por aquelas pessoas que podem vir a ficar com deficiência, mesmo diante da dura realidade dessa Bahia, onde o navio outrora negreiro hoje dos excluídos ainda navega em um mar de preconceito tão grande a ponto de me fazer lembrar Castro Alves nessa hora.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Castro Alves
(Evangel Vale Jr. – por Ângela Góes)
BELO TEXTO.
ResponderExcluirPOSTAGENS ASSIM ME MOTIVAM A ACESSAR DIARIAMENTE ESTE SEU BLOG MARAVILHOSO.
BJS