A religiosidade, o misticismo, os
mantras, a Ioga e as práticas de cura nos trazem a lembrança da Índia. Nós,
ocidentais, fascinados, necessitados, fazemos turismo pra Índia, já que muito
pouco de seus costumes são por nós copiados. Todavia, existe um outro lado da
Índia. Um lado que nós não observaríamos nunca, se observados condenaríamos. Nos
colocam uma peneira, um tapa-olhos pra que não saibamos. Embaixo do tapete
colocam as coisas feias, condenáveis pra que a humanidade ignore, esqueça. Assim
é o leite colocado em vasos pra consumo dos ratos enormes, que lhe transferem
saúde e coisas boas pra ser bebido por certos grupos de indianos. Também o Rio
dos Batismos, onde excrementos humanos, cinza de corpos cremados e outros
restos convivem flutuando ou não, nas águas sagradas. Mas, o triste e
condenável mesmo é no plano sexual. O sexo feminino é desvalorizado. Crianças
de 8 a 12 anos são vendidas para serem usadas nos trabalhos caseiros ou na
prática do sexo, apesar da tenra idade. Novelas e filmes não retratam essa
violência sexual. Queixas pouco adiantam. Raramente o estupro leva à punição, à
cadeia. Não é crime por lá. Autoridades desencorajam a menina ou mulher
abusada. Mandam-na pra casa, pois quase nada podem fazer. A cada duas horas uma
pessoa do sexo feminino é estuprada, na Índia. Sem punição, a violência sexual
contra a mulher é estimulada. A visão moderna de direitos e igualdade da mulher
não consegue superar a visão patriarcal, na Índia. Mulher é tratada como coisa.
Ela é mercadoria em abundância, que vale pouco na família ou fora dela. Isso é
válido em todas as classes sociais. Por lá existe a forca, mas quase não é
usada. Recentemente, jovem de 16 anos foi estuprada. Na polícia, esta lhe deu
excelente conselho: "case com um dos estupradores"! Fazendo em
seguida pressão para que o "bom conselho" fosse praticado. Diante da
impotência pra punição dos culpados, ela se suicidou. Enforcou-se! Outra jovem,
na certeza de ser estuprada por um grupo, pediu socorro. Gritou muito! Uma
senhora apareceu e veio em ajuda. Pasmem! Ajudou os estudantes no estupro. Todavia,
o caso que ganhou o mundo, atrapalhando e cancelando as festas de fim de ano em
Nova Delhi, dados os protestos no país foi o seguinte: Políticos, forças
armadas e família cancelaram as festas de final de ano. A ONU apareceu pedindo
estudos sobre estupro de indianos, que não incluísse lei de pena de morte. Cínicos:
matar pode, mas pena de morte contra crime sexual, não! Vamos ao caso: Jovem de
23 anos, estudante de Fisioterapia, fora com o namorado ao cinema. Voltavam de
ônibus. Seis homens agrediram o namorado e dentro do veículo fizeram sexo com
ela. Incrível, mas o motorista juntou-se aos cinco estupradores. Relembro: na
Índia estupro não é crime. Pasmem! Não satisfeitos, deram com uma barra de
ferro pancada na cabeça da jovem, atirando-a na rua com o ônibus em movimento. Ela
morreu depois de dias inconsciente no hospital. A aluna de Fisioterapia não
mais iria se formar, nem se casar. Isto, num país onde mulher e coisa é a mesma
coisa (longe das novelas, é claro!). Pra variar, a polícia da Índia é bastante
corrupta, segundo os registros. Isso dificulta a punição em favor de castas ou
classes sociais baixas. Pior, duas outras meninas (violentadas) se suicidaram
em dezembro. A sociedade é fria ou indiferente em relação à violência sexual. Não
há acolhimento na sociedade indiana para com aquela que foi currada,
violentada, estuprada. Lembro do motorista do ônibus e da senhora que escutou
os gritos de socorro. Eles ajudaram no estupro coletivo, aos estupradores. Se
as jovens suicidas continuassem em vida, certamente não seriam as mesmas
pessoas. Estariam em constante depressão. Carregando sempre o medo. O trauma
traz inflamações estranhas, tendentes ao câncer (no seio, na vagina ou em outra
parte). Estariam necessitando de tratamento psiquiátrico, psicológico,
solidariedade de todos. O sentimento de impotência diante do saneamento do mal,
a indiferença e descaso das autoridades, garantiria uma perene depressão e
visão do trauma. Vontade de morrer. É a morte da esperança, da compensação
diante da solidariedade zero. O desespero e a impotência (já o disse) levam ao aparecimento
e ao crescimento do câncer. Doravante, a indiana vítima do estupro sexual tem
dificuldade de meditar no país da meditação. A forma com que ela vê o mundo
entra em anomia. Ela não tem regras com que se agarrar. Sua cultura quase nada
aborda esse tema. O sentimento de impotência a acompanhará por toda a vida. Teria
por um tempo a sobrevida, com o fantasma do estupro ocupando-lhe corpo e mente.
Futuro sem perspectiva, leis inexistentes, gado marcado... Sentimento de culpa,
isolamento. O suicídio é a saída! Por isso: com os protestos, critica à
desimportância da mulher, as Festas de Fim de Ano se calaram. Que os suicídios
e a morte recentes das três jovens de dezembro sejam um marco de mudança dos
costumes. Mudança no país das meditações, de tantas lições bonitas na terra de
Gandhi. Mas de certos costumes brutais que chocam a humanidade. (Selem Rachid Asmar).
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